Você bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos (EUA) se reúnem para tomar decisões sobre taxas de juros nesta quarta-feira (18), evento conhecido pelo mercado financeiro como super quarta-feira. Mas isto não é um super quarta-feira qualquer.
É histórico. É a primeira vez que o banco central americano corta as taxas de juros desde março de 2020.
No mercado, ninguém se lembra da última vez (ou nunca) em que, no mesmo dia, os ciclos monetários dos dois países começaram a mover-se em direcções opostas.
Mas, após um período de taxas estagnadas em ambos os países, A expectativa é que haja redução dos juros no exterior e aumento aqui.
É verdade que não faz muito tempo que as coisas estavam descompassadas. Entre 2021 e o início deste ano reinou o descompasso. Ainda durante a pandemia, o Brasil assumiu a liderança e passou a aumentar as taxas. Apenas dez meses depois é que os EUA seguiram o caminho do aperto, em Março de 2022.
Em agosto daquele ano, o Brasil estacionou a taxa Selic na máxima do ciclo, 13,75% ao ano. E um ano depois, em agosto de 2023, começou a seguir o caminho inverso, os cortes pausados só começaram em maio deste ano – altura em que os EUA atingiram a taxa mais elevada dos últimos 20 anos.
Nesse período de ciclo invertido, os ativos brasileiros sofreram choques, tendo que lidar com a concorrência da renda fixa americana com remuneração acima da média.
Os recursos estrangeiros fugiram Ibovespaque amargo queda de quase 8% no primeiro semestre deste ano. Há quem diga que os juros americanos tiveram, em determinados momentos, mais influência sobre os ativos brasileiros do que a própria Selic.
Desde julho, porém, o dinheiro estrangeiro voltou a aparecer e o mercado acionário acumulou altas fortes o suficiente para apagar as perdas acumuladas no ano. E uma grande parte disto deve-se ao facto de o esperado corte das taxas de juro nos EUA se estar a aproximar.
De acordo com Rodrigo SgavioliChefe de Alocação XP Investimentosa perspectiva é que as reduções nos EUA chegam a dois pontos percentuais, enquanto no Brasil o aumento pode continuar até 12% ao ano, ou seja, um aumento de 1,5 ponto em relação ao nível atual.
Enquanto no exterior as autoridades monetárias estão no início do período de alívio de juros, aqui, o O Selic já se prepara para subir mais um morro. Mas possivelmente inferior, é verdade, àquela que levou a taxa básica do Brasil de 2% para 13,75% entre março de 2021 e agosto de 2022.
Esse cenário cria uma assimetria que tende a ser benéfica para o mercado interno. Mas vamos com calma.
Há mais cartas na mesa, ou seja, as incertezas ainda obscurecem o horizonte do mercado de capitais. Portanto, o tom dos anúncios e, principalmente, as projeções dos bancos centrais deverão nortear o comportamento dos ativos nos próximos dias.
No Brasil, as taxas de juros podem subir um pouco, subir consideravelmente ou permanecer no nível em que estão. Nos EUA, as taxas deverão cair. Mas quanto? O mercado está atualmente dividido entre um corte de 0,25 ponto percentual ou um corte de 0,5 ponto percentual fora.
O que está em jogo no Brasil
Por aqui, 76,5% dos investidores apostam no início desse (mini) ciclo de aperto da Selic com alta de 0,25 ponto percentual na reunião de hoje. Esse movimento levaria a alíquota para 10,75% ao ano, segundo o Termômetro Copom, ferramenta Valor Investir que mede as expectativas em torno das próximas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) com base em contratos de opções negociados em bolsa.
Outros 15% dos investidores veem um Copom ainda mais restritivo, promovendo hoje um aumento de meio ponto na Selic, o que levaria a alíquota básica para 11% ao ano. Por fim, uma minoria (8,5%) ainda acredita na possibilidade de manutenção dos juros brasileiros em 10,5% ao ano.
Caso as expectativas da maioria se confirmem, com alta de 0,25 ponto percentual, a reação nos ativos poderá ser tímida, a menos que o BC dê uma sinalização mais dura em seu comunicado, afastando preocupações com pressões políticas sobre a autarquia.
Nesta lógica, alta de meio ponto na Selic pode provocar reações ainda mais otimistas no mercado financeirocom a retirada de prémios sobre activos nacionais. Isto, claro, se o banco central americano confirmar as projeções feitas no exterior.
Com taxas de juros de 10,75% ao ano ou mais, as aplicações financeiras de renda fixa no Brasil tornam-se quase imbatíveis. Tanto aqui como globalmente. Mas no curto prazo, isso poderá trazer mais instabilidade aos títulos de renda variável e prefixados.
A maior disparidade entre as taxas de juro dos EUA e do Brasil poderá aumentar a capacidade do mercado para atrair capital estrangeiro. Portanto, o real tende a se valorizar frente ao dólar e a outras moedas, o que, em segundo lugar, beneficia outros ativos nacionais.
“A respeito disso, uma decisão pela estabilidade da Selicapesar da melhoria do cenário externo, levaria a uma forte perda de credibilidade (na direção oposta ao objetivo do BC), resultando em maior desancoragem das expectativas de inflação, pressão ascendente sobre a taxa de câmbio, aumento da inclinação da curva de juros e aumento da inflação implícita da NTN-B [Tesouro IPCA+]”, afirma Sérgio Goldensteinestrategista-chefe da Warren Investimentos.
Especialistas consultados por Valor Investir indicar a compra de títulos do Tesouroisto é, os activos da dívida pública. Mas as opiniões estão divididas entre priorizar o Tesouro Selic (LFT) ou a NTN-B (Tesouro IPCA+).
Na renda fixa privadaativos bancários indexados ao CDI continuam brilhando (como CDBs, LCAs e LCIs) com liquidez diária.
Já títulos atrelados à inflação (IPCA) são os mais recomendados por períodos mais longosporque têm taxas muito elevadas e protegem o investidor da subida generalizada dos preços.
Sobre isso, investimentos em renda variável, como o mercado de ações brasileiro, continuam menos recomendados para os próximos meses.
Por que (quase) tudo está em jogo no Brasil?
“Este aumento que deve ser promovido hoje não acontece como uma resposta típica a um ciclo económico, em que as taxas de juro são elevadas para controlar a inflação. Desta vez, a própria autoridade monetária colocou-se nesta situação. Se a comunicação do BC sobre política monetária tivesse sido menos agressiva, o Copom poderia ter mantido a Selic inalterada sem problemas”, afirma Matheus Spiessanalista em Pesquisa Empírica.
Para ele, Ao promover um discurso contracionista para ganhar credibilidade e reancorar as expectativas de inflação e juros, o BC se colocou na situação de ter que aumentar a taxa Selic. “É um jogo de credibilidade. Os diretores [do Copom] precisam mostrar que ‘cachorro que late também morde’”, acrescenta.
Goldenstein segue o mesmo raciocínio ao lembrar que a última ata do Copom, divulgada em 31 de julho, foi “bem equilibrada, deixando claro o caminho data dependente (depende de dados) do comitê”, afirma.
“No entanto, entendemos que a comunicação posterior dos líderes do BC, em particular dos Gabriel Galípoloconduziu fortemente o mercado na direção do aperto monetário. O diretor sempre procurou enfatizar os pontos de desconforto do Copom em relação ao cenário inflacionário. Na prática, entendemos que um orientação [projeção]apesar do negativo [do BC] sobre isso”, pondera o estrategista-chefe de Warren.
Portanto, outro tema que deve permanecer no radar dos investidores é o consenso na votação dos diretores do Copom. A unanimidade passou a ser critério de avaliação das reuniões à medida que se aproximava o fim do mandato. Roberto Campos Neto da presidência do BC.
Em 2025, o atual diretor deverá assumir a presidência Gabriel Galípoloindicado pelo governo para o cargo que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso.
“Que [o consenso e a comunicação com diretrizes claras] é especialmente crucial neste momento de transição entre os dirigentes do BC, quando ainda há dúvidas sobre a futura independência da instituição”, destaca Gustavo Sungeconomista-chefe da Pesquisa Suno.
Nos EUA, qualquer decisão acarreta riscos. De acordo com a ferramenta Grupo CME monitorar as expectativas para a decisão do Reserva Federal (Fed, banco central americano) hoje, 65% dos investidores apostam em uma queda de 0,5 ponto percentual, o que levaria a faixa de juros para 4,75% a 5% ao ano. Mas um corte de 0,25 pontos não é uma carta fora do baralho.
Por outras palavras, seja qual for o caminho que a Fed tome, um grupo considerável de investidores ficará frustrado.
“Os argumentos para o corte maior vêm do alívio do mercado de trabalho e do medo de o país entrar em recessão. Os argumentos para o corte menor vêm também da resiliência da atividade”, afirma. Beto Saadiadiretor de investimentos na Nomes.
Para o especialista, do ponto de vista da gestão de risco, o Fed deveria continuar com um corte de meio pontomas depois faça um discurso mais cauteloso, apontando também para setores da economia americana que continuam saudáveis. Isso ajudaria a equilibrar as reações do mercado.
Caso as projeções da maioria se confirmem, os ativos brasileiros deverão se tornar ainda mais atrativos do ponto de vista global. Afinal, em 2024, o mercado de capitais assumiu o papel piloto nos ciclos monetários.
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