O Ministério da Saúde armazena cerca de 13 milhões de vacinas contra a covid que expirarão entre o final de agosto e outubro de 2024.
Os lotes valem mais de R$ 540 milhões e incluem doses da Coronavac, fornecida pelo Instituto Butantan, além da Spikevax, fabricada pela Moderna. Os dados foram apresentados no final de julho após solicitação baseada na Lei de Acesso à Informação (LAI).
Os registos do ministério apontam para 1,5 milhões de vacinas Moderna administradas desde maio. O ritmo da imunização indica que parte das doses em estoque deverá ser descartada.
O número de vacinas utilizadas é considerado subestimado por técnicos do governo, que apontam a dificuldade de coleta de dados de todos os estados e municípios. Mesmo assim, os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) reconhecem reservadamente que a campanha de imunização é insuficiente para cobrir o estoque de curto prazo.
A Coronavac praticamente deixou de ser distribuída ao SUS meses após a última compra, ou seja, todo o produto armazenado atualmente deverá perder a validade.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que garantiu proteção contra a Covid à população de maior risco com a compra da vacina Moderna. “Essa vacina é a mais atualizada e protege contra as cepas em circulação. Até o momento, foram distribuídas 6,7 milhões de doses para estados e municípios”.
“A desinformação teve impacto significativo na vacinação no Brasil, gerando desconfiança quanto à eficácia e segurança das vacinas, especialmente a vacina contra a Covid-19, foco de movimentos negacionistas”, diz o ministério.
O ministério afirmou ainda que as menores taxas de cobertura vacinal são de crianças e adolescentes, “público-alvo para aquisição da vacina Coronavac”.
O ministério liderado por Nísia Trindade disse ainda que está em curso uma nova compra da vacina com duas inovações na forma de contratação. “As entregas serão feitas de acordo com a demanda apresentada pelo Ministério da Saúde, de forma parcelada, e com possibilidade de troca pela vacina mais atualizada aprovada pela Anvisa”.
O pediatra Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), afirma que a queda na procura pelas vacinas se tornou um desafio para a organização das campanhas do SUS.
“Num país com diferentes taxas de adesão e coberturas vacinais, para alguns locais há muitas doses, para outros não são suficientes, é um modelo que precisa ser repensado. Precisamos investir em duas frentes, melhorando a adesão e pensando em reduzir desperdícios, adequar nossas compras”, afirma.
Kfouri afirma que cenários de restrições no acesso às doses também fortalecem a hesitação vacinal – quando as pessoas relutam ou se recusam a tomar a vacina.
“A pessoa vai ao posto e não encontra a vacina, perde o dia de trabalho, perde dinheiro dirigindo. O acesso é fundamental. Chegar ao posto e não tomar a vacina é uma barreira importante para alcançar a cobertura ideal”.
Do estoque atual de vacinas de curta duração, cerca de 8 milhões de unidades são da Coronavac e expiram entre 31 de agosto e 30 de setembro. Esse lote representa 80% da última compra feita pela Saúde com o Butantan, entregue em outubro de 2023.
Cada vacina Coronavac custou R$ 33 reais. Em nota, o laboratório ligado ao governo do estado de São Paulo disse que distribuiu o produto dentro do prazo de validade determinado pelo governo.
O Brasil registra mais de 4.131 mortes por Covid em 2024, além de 639 mil casos. “A Covid ainda mata mais do que outras doenças infecciosas, não estamos em paz com a doença”, disse Kfouri.
Ainda estão em estoque cerca de 4,8 milhões de unidades da vacina Moderna, adquirida mais recentemente pelo governo Lula (PT) e adaptada à variante XBB. O ministério pagou R$ 58 por dose e praticamente todos os lotes armazenados vencem entre 10 de setembro e 18 de outubro.
A Moderna se comprometeu com a troca das doses vencidas, pois a empresa entregou os frascos com prazo de utilização menor do que o definido em contrato.
A Adium, empresa que representa a farmacêutica no Brasil, disse que “enviará novas doses da vacina contra a covid ao Ministério da Saúde, caso seja necessário substituir vacinas que estejam próximas do vencimento”.
Gestores do SUS, porém, apontam que o intervalo para troca de vacinas vencidas por novos lotes reforça a desorganização da campanha de imunização. Além disso, os departamentos de saúde têm de gastar no armazenamento e eliminação de produtos vencidos.
O Ministério da Saúde perdeu cerca de R$ 2 bilhões em vacinas contra a Covid, de diversos fabricantes, até o início de 2023. No ano seguinte, descartou outros R$ 227 milhões em vacinas da Janssen. Os números não incluem vacinas vencidas nos estoques estaduais e municipais.
No total, o ministério entregou mais de 640 milhões de vacinas desde 2021. Apenas a primeira compra com a Pfizer, de 100 milhões de unidades, ultrapassou os R$ 5 bilhões. A Saúde não informa o valor total gasto no produto, pois parte dos contratos coloca os preços em sigilo.
Apesar do estoque de curto prazo, a campanha de imunização de 2024 conta com poucas doses, o que restringe os grupos que podem receber a vacina.
A equipa de Nísia prevê adquirir 70 milhões de vacinas atualizadas em 2024, mas atrasou a primeira aquisição, de 12,5 milhões de unidades da vacina Moderna, e ainda não lançou o concurso complementar.
Gestores do SUS afirmam que não há como despejar todas as vacinas do estoque do ministério nos postos de saúde, porque as doses precisam ser armazenadas entre -50º e -15º. Depois de descongelados, só podem ser guardados por um mês em geladeiras convencionais, com temperaturas de 2º a 8º.
O ministério disse ainda que “trabalha no combate à hesitação vacinal, por meio do Movimento Nacional pela Vacinação, com ampla mobilização de estados, municípios, cientistas e sociedade”. “O projeto Saúde com Ciência, lançado em 2023, tem como objetivo defender as vacinas e combater a desinformação em saúde”.
No início de julho, o ministro disse que é preciso admitir a derrota na vacinação contra a Covid-19, devido à “desinformação criminosa” que tem tido “sucesso” até agora.
“Fomos amplamente derrotados na questão da vacinação contra a Covid, temos que aceitar isso”, disse Trindade durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
“Falar de derrota é um pouco forte porque estamos lá para lutar, mas temos que assumir que com esta vacina específica realmente se criou uma percepção do risco da vacina maior do que o risco da doença. isso para superar”, afirmou ainda o ministro.
No mesmo discurso, o ministro negou atrasos nas compras e afirmou que “no final deste mês poderemos completar esta vacinação”. A secretaria, porém, ainda não conseguiu adquirir novas doses.
Em nota, o conselho de secretários estaduais de saúde, Conass, disse que a atual estratégia de vacinação prioriza grupos populacionais mais vulneráveis para prevenir casos graves e mortes. “O desafio é implementar ações de comunicação mais eficientes para atingir todo esse grupo populacional e facilitar o acesso, dada a resistência decorrente da disseminação de desinformação”, afirmou o conselho.
O conselho que reúne os secretários municipais, o Conasems, não quis comentar.
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