Filho de um metalúrgico e de um diarista, Sergio All tornou-se banqueiro por acaso. Após 20 anos de atuação no mercado publicitário, decidiu criar, em 2009, uma organização de apoio a empreendedores negros. “Tinha crédito pré-aprovado, mas o gestor negou o empréstimo, sem apresentar razões técnicas”, disse Valor. Todos não desistiram. Começou a estudar o mercado financeiro e fez pesquisas sobre o perfil das pessoas sem acesso ao crédito no Brasil. “Descobri que “desbancarizar” é negro”, disse ela.
Em 2017, a All lançou a Conta Black, fintech voltada para clientes negros que enfrentam dificuldades na obtenção de recursos. “A única maneira de dar um grande passo é ter recursos próprios. E o crédito é a porta de entrada para isso.”
All foi um dos convidados do Festival Negritudes, que reuniu 8,5 mil pessoas, ontem, no Sesc Pompeia, em São Paulo. Produzido pela Globo, o evento foi marcado por debates sobre diversos aspectos da questão racial, além de shows, apresentações teatrais e atividades infantis.
“Foi a maior edição do evento até agora”, disse Ronald Pessanha, líder do festival. A iniciativa começou em 2018, quando duas áreas da Globo – responsabilidade social e pesquisa – se uniram para analisar o conteúdo produzido sob a perspectiva da diversidade e criar formas de aproximá-lo da realidade brasileira.
A primeira versão do evento, em 2022, foi reservada para 220 convidados. No ano passado, aberto ao público, o Festival Negritudes Globo teve uma edição bem maior, também em São Paulo. Este ano, além da capital paulista, foram realizadas edições em Salvador e no Rio de Janeiro.
Paralelamente ao evento, a Globo lançou ontem uma nova campanha institucional, sob o tema “Nossa alegria é o futuro e o futuro já está acontecendo”. “Reverenciamos o passado, celebramos o presente e olhamos para o futuro”, disse Pessanha Valor.
Assim como no caso de Sergio All, a persistência deu o tom da carreira da advogada, jurista e acadêmica Edilene Lôbo. Primeira mulher negra a ingressar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lôbo é a 17ª em uma família de 20 filhos. Começou a trabalhar aos 12 anos, quando saiu de Taiobeiras, no Norte de Minas, para a região metropolitana de Belo Horizonte. “Meu primeiro emprego foi como empacotador de supermercado”, disse o ministro. Foi nessa época, ainda adolescente, que Lôbo se envolveu com o Movimento Pró-Constituinte, criado para discutir propostas para a Constituição de 1988. A participação foi fundamental para a compreensão da noção de direitos para todas as pessoas.
As universidades então não contavam com sistema de cotas e, para ter a oportunidade de estudar, Lôbo recebeu uma bolsa da Universidade de Itaúna (MG). Depois de se formar, ela enfrentou muita resistência no ambiente de trabalho. “Muitos disseram que aquela não era a minha função, mas cada vez que diziam isso eu me sentia mais determinado.” Hoje, paralelamente ao TSE, Lôbo cultiva a vida acadêmica. Além de escritora, é professora em Itaúna e na PUC-MG.
“[A escritora] Conceição Evaristo [outra convidada do festival] Me ensinou que o importante não é ser o primeiro, mas abrir caminho para os outros”, afirma Lôbo.
A avaliação do ministro é que o Brasil soube criar uma legislação sólida para combater as diferenças sociais e raciais, mas isso não é suficiente para garantir uma sociedade mais equitativa.
“A lei por si só não é suficiente. O Brasil tem leis muito celebradas no mundo, mas ainda é um dos países com maior número de feminicídios”, afirmou. Para mudanças reais, o país precisa reconhecer o racismo estrutural que permeia as suas relações sociais. Só assim, disse ela, será capaz de combater eficazmente as consequências do racismo.
O anunciante Felipe Silva abriu seu negócio ao perceber que havia uma lacuna importante a ser preenchida no mercado. Ele é cofundador da Gana, agência de publicidade cuja equipe é formada 100% por profissionais negros – homens e mulheres.
Com 20 anos de experiência na área criativa, trabalhando para grandes agências, Silva e seu sócio começaram a desenhar uma agência que seria administrada por negros. Gana estreou em 2021, em plena pandemia. “O trabalho remoto nos ajudou a buscar os melhores profissionais em diversas regiões do país”, disse Valor.
No início, as marcas recorreram ao Gana principalmente para abordar abordagens relacionadas com questões raciais. Com o tempo, isso mudou. “Hoje eles vêm até nós em busca de uma conexão mais profunda com o Brasil real, onde 56% da população é negra.”
As mudanças na publicidade acompanham as mudanças na sociedade em busca de valores mais justos, mas também demonstram que as marcas estão se conscientizando de que não podem deixar de atender grande parte do mercado consumidor, disse Silva. À medida que mais pessoas se identificam como negras ou pardas, as empresas de consumo percebem que precisam criar produtos e mensagens direcionados.
Pesquisa apresentada pela Globo no festival mostra que a população negra não está satisfeita com o que está disponível em áreas como higiene e beleza, saúde e serviços financeiros.
O acesso ao microcrédito é um dos pilares do Movimento Black Money. Os demais são educação profissional, aceleração de empresas e distribuição de negócios, realizadas por meio de plataforma “market place”. “São 10 mil negócios no total e 2,5 mil no ‘market place’”, afirma Nina Silva, CEO do Movimento Black Money. “Queremos desempenhar um papel de liderança no nosso futuro, um futuro igualitário, não segregado, mas acima de tudo um futuro em que tenhamos a nossa própria voz.”
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