O economista Paulo do Carmo Martins alerta sobre ações de planejamento e redução de custos na propriedade e destaca o desafio da rastreabilidade no setor “Os produtores que trabalham com pecuária leiteira precisam atualmente adotar uma gestão eficiente na propriedade para garantir produtividade, redução de custos e leite qualidade. Para fazer isso, você precisa gerar dados. E para gerar dados precisamos ter uma concepção mais digital.” A avaliação é do economista Paulo do Carmo Martins, pesquisador que já foi chefe da Embrapa Gado de Leite. Leia também Governo quer promover produção de leite no Brasil Conheça os melhores queijos artesanais do Prêmio Queijo Brasil Queijo com erva-mate do MS ganha selo de baixo carbono O pesquisador falou sobre a chamada pecuária 4.0 durante a Expoleite, realizada pela Capal Cooperativa Agroindustrial, em Arapoti (PR). “Pode parecer difícil, mas não é”, acrescenta. Em entrevista à reportagem, o especialista destaca que a pecuária leiteira tem margem pequena e que aumenta a pressão para que o produtor tenha um produto de maior qualidade. Quem não estiver atento a esses aspectos poderá ficar para trás. “Precisamos encontrar formas de gestão para continuar crescendo a indústria de laticínios”, destaca. Segundo Martins, a pecuária 4.0 prevê a gestão informatizada dos sistemas de produção de leite, com soluções tecnológicas que tornam a administração da propriedade mais eficiente na tomada de decisões em todos os aspectos da cadeia produtiva. Ele lembra que existem diversas opções de softwares e aplicativos, desenvolvidos por universidades, startups e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que fornecem subsídios para a gestão zootécnica e econômica da atividade. Para ele, é fundamental que os produtores tenham clareza nas decisões. “Quando se trabalha em outras áreas, como agricultura, suinocultura e avicultura, o processo fica mais estruturado. Nestes casos, o produtor tem menos decisões a tomar diariamente do que o produtor de lacticínios. Precisamos reduzir o número de decisões a serem tomadas e ter todo o processo organizado, para trazer agilidade e eficiência à gestão.” Administração rural Para Marius Cornelis Bronkhorst, produtor de leite em Arapoti, o mercado é “paliativo” e o maior determinante do preço do leite está mesmo na organização do próprio produtor. “Como ele administra a propriedade e fixa o preço de custo do seu leite”. Atuando no ramo há mais de 40 anos, Bronkhorst é colega de trabalho da Capal e lidera a criação de alta produtividade. Com 500 vacas holandesas em ordenha mecanizada, a produção diária da fazenda é de 19 mil litros de leite. A título de comparação, um pequeno produtor, segundo Milkpoint, produz até 250 litros por dia. Anos de experiência ensinaram, segundo Bronkhorst, que não é apenas durante a extração do leite que o produtor deve calcular o custo de produção. “É um planejamento prévio e uma série de informações. A produção de leite é algo que não se pode fazer com uma visão de três meses, mas pelo menos com uma visão de três anos”, recomenda. Ele concorda que o mundo hoje é digital e que a tecnologia é uma aliada do planejamento imobiliário. Outro aspecto que considera vantajoso para os produtores que pensam em crescer é o cooperativismo. “É um fator determinante para a sobrevivência. Se você olhar para o nível nacional, onde mais crescem os pequenos, médios e até grandes produtores, é no setor cooperativo”, destaca. Como exemplo, Bronkhorst cita ações como o pagamento, pela cooperativa, do leite que foi perdido durante a greve dos caminhoneiros em 2018. “Foi uma salvação, porque nós, como produtor, tínhamos funcionários e custos para pagar , precisávamos ter receita”, lembra. Rastreabilidade Paulo Martins ressalta que a realidade entre os produtores que integram cooperativas difere dos produtores independentes. Enquanto para os produtores associados a cooperativas as boas práticas incluem informações detalhadas, para aqueles que operam de forma independente, a obtenção de indicadores de desempenho e eficiência ainda é difícil. “Nesse sentido, a rastreabilidade ainda se torna um desafio”, alerta. O sistema de rastreabilidade permite que o produtor, a indústria e o consumidor tenham informações precisas sobre o histórico dos animais e da atividade produtiva. Martins acredita que o setor lácteo no Brasil deverá levar pelo menos dez anos para atingir os níveis de outras culturas mais avançadas, como açúcar, café, frutas e flores. “Isso está dentro da lógica de uma nova forma de pensar o leite, que chamo de 4.0. Todos os produtos precisam ser rastreados, e o leite ainda mais, porque é um produto que chega ao consumidor através da indústria”. Ele considera que o produto poderá perder mercado se não adotar tecnologias de rastreabilidade do rebanho, pois não estará vinculado ao consumidor. “Ao comprar um litro de leite, o consumidor quer saber de onde vem o produto e como foi produzido, assim como acontece com outras proteínas”, observa. O fato da indústria avícola, por exemplo, ter fornecedores definidos, facilita o processo. No caso do leite, as empresas lácteas mudam frequentemente de fornecedor, o que cria maiores dificuldades neste aspecto, segundo o especialista. “Além disso, na avicultura e na suinocultura as tecnologias estão definidas. No setor leiteiro cada propriedade é diferente, o que gera dificuldades. Vejo a rastreabilidade sendo adotada de forma muito intensa em diversos setores, principalmente em produtos de exportação. No leite, quantidade e eficiência foram priorizadas nas últimas décadas – e continuamos preocupados com esses pontos – mas precisamos evoluir. É uma revolução que já está acontecendo, silenciosamente. Aqueles que não estão se adaptando estão sendo deixados de lado.” Martins destaca que o grande número de produtores que estão deixando a indústria de laticínios está relacionado a dificuldades de mercado e de gestão. “O próximo censo vai mostrar isso. Provavelmente terá 1/3 do número de produtores que eram vendedores de leite no último censo agrícola, que foi há 10 anos”. Ele reforça que, dentro de no máximo uma década, esse processo de reformulação 4.0 deverá ser uma realidade no setor. Boas práticas Roberto Caldeira, coordenador de assistência técnica bovina da Capal, explica que o produtor cooperante tem seu gado registrado na Associação Paranaense dos Criadores de Bovinos Holandeses (APCBRH), ou seja, está 100% rastreado. A certificação fornece informações como identificação dos animais, genealogia, conformação, evolução genética do rebanho e produção de leite. “Além disso, a Capal mantém um programa de boas práticas agrícolas (BPA) baseado em pilares como bem-estar animal, infraestrutura da propriedade, sustentabilidade, qualidade e gestão do leite”, explica o coordenador. Ele acrescenta que a cooperativa está atenta às práticas ESG, com projetos de longo prazo já em desenvolvimento: “buscamos uma vantagem competitiva no futuro”. Entre as adequações nas propriedades, nesse contexto, está a implantação de lagoas de tratamento de efluentes. “São ajustes para o futuro, mas estamos bem avançados”, revela. Saiba mais taboola Dessa forma, o leite que sai da cooperativa para ser entregue à indústria é rastreável. Mas Caldeira concorda que a realidade em outras partes do Brasil é diferente, já que grande parte dos produtores de leite se enquadra no perfil da agricultura familiar. João Guilherme Brenner, presidente da APCBRH, destaca a oferta da associação de serviços de registro de animais, controle de leite, gestão de rebanho e controle de qualidade. No âmbito da segurança alimentar, lista exames como medição de CCS – contagem de células somáticas –, gordura e proteína, volume e ureia. “São cinco análises básicas que nosso laboratório realiza, tanto para nossos associados quanto para indústrias que são nossas clientes”, explica. Ele destaca a eficiência e a produção da bacia leiteira dos Campos Gerais. “Aqui estão as propriedades tecnologicamente mais avançadas do país que aproveitam o desenfreado melhoramento genético da raça holandesa.” *O jornalista viajou a convite da Expoleite
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