Você pode nunca ter ouvido falar certidão de direito creditório do agronegócioo CDCAmas este título isento de imposto de renda e IOF poderá ser o próximo produto “pop” no mercado privado de rendimento fixo. Pelo menos do que depender de investidores e instituições financeiras.
Esquecido durante anos pelos investidores, o que reanimou a classe foii uma operação anunciada pelo BTG Pactual. Finalizado ontem, na data de liquidação (em que os investidores que reservaram ações durante o período de divulgação da oferta deverão efetuar o pagamento), o site A Agribiz descobri que a oferta deste CDCA gerou R$ 12,1 bilhões.
O banco estruturou uma emissão de 8,5 milhões de CDCAs com valor nominal unitário de R$ 1 mil por título. A projeção inicial de captação, portanto, era de R$ 8,5 bilhões e pode ter sido superada em 42%.
Somente investidores qualificados e profissionais puderam participar desta oferta, com títulos remunerados entre 101% e 104% do CDI, dependendo da série (eram nove). Um retorno líquido, já que a classe está isenta de tributação.
Mas o CDCA não é mais um título de financiamento bancário, quais são os cartas de crédito do agronegócio (para o ACVs). Na verdade, trata-se de um título de crédito vinculado a direitos creditórios originados de negócios firmados entre produtores rurais ou cooperativas e terceiros desta cadeia produtiva.
Como o CDCA precisa ser emitido por uma empresa que atue na agropecuária, acabou se tornando um coadjuvante no mercado de capitais. E esse tipo de papel já vinha servindo há todos esses anos desde que foi criado, em 2004, para respaldar o ACVs e o certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) – mais um título isento que formava a ponte entre o interior e a Faria Lima.
E é aí que está o grande problema.
Depois de fevereiroquando entraram em vigor as restrições impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre os critérios de elegibilidade para lastros de CRA e o novo prazo mínimo de maturidade e regras de alocação de recursos captados pelas LCAs, as emissões desses dois produtos caíram.
Isso abriu espaço para o CDCA…ou seja: para que as pessoas pudessem voltar a falar de CDCA no mercado.
“Na verdade, do ponto de vista técnico, não há mais ou menos espaço para o CDCA agora porque o produto existe há 20 anos. O que acontece é que, na prática, assim como o CRA despertou o interesse do mercado com o surgimento dos Fiagros [fundo de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais]o CDCA deveria ‘entrar na moda’. Mas, do ponto de vista do mercado, é mais uma questão comportamental. Quando uma classe começa a ser amplamente difundida, tende a gerar um efeito manada. Então a demanda cresce exponencialmente, especialmente entre investidores individuais”, explica Paulo Frôesdiretor de mercado de capitais da PedraX.
Retornando: o CDCA é um título emitido por empresa detentora de recebível, ou direito creditório, na cadeia do agronegócio. Simplificando, são estas as empresas que têm direito a receber um pagamento de outra entidade do setor, numa dinâmica credor e devedor.
Ou seja, ao entrar nesse tipo de ativo, é como se o investidor estivesse “comprando” o direito de receber o pagamento que era devido à empresa da cadeia do agronegócio.
Portanto, o BTG Pactual não foi e não poderia ter sido o emissor da oferta bilionária de CDCAs. Esta função coube ao Engelhartuma unidade do grupo financeiro dedicada à negociação de commodities. Nesse sentido, de acordo com o prospecto da oferta, Os recursos captados pelas ações serão destinados à futura aquisição de soja, milho, farelo de soja, óleo de soja e açúcar in natura com padrão de exportação.
Por ser subsidiária do BTG Pactual, a Engelhart tornou-se, neste caso, seu canal com a agricultura. E a instituição financeira atuou como “coordenadora líder” dessa oferta, responsável por estruturar a operação e distribuir o produto.
Em meio a essa discussão, o fator de risco: CDCA é um papel nominal, ou seja, ele é emitido em nome do emissor. Assim, o risco associado a este título está ligado à classificação de crédito da empresa.
“Um investidor pessoa física leigo e com perfil de alocação conservador precisa estar atento ao risco de crédito do emissor. Em geral, esse tipo de alocação direta em CDCA não é o mais recomendado para quem não sabe fazer esse tipo de avaliação, como a qualidade do crédito que lastreia o título. Qual a chance da empresa respeitar esse compromisso financeiro? É preciso também olhar para o segmento operacional da empresa, se é mais cíclico ou menos cíclico, e para a eficiência operacional, se os resultados da empresa são bons e os rácios de endividamento estão controlados.”, pondera Gustavo Saulaanalista de renda fixa na SWM.
Isso também ajuda a explicar a grande procura pela oferta coordenada pelo BTG Pactual.
Embora o banco não seja teoricamente o garante desta operação, Como a Engelhart está incorporada ao seu balanço, o risco de crédito do título está associado ao BTG.
É aquele “risco bancário“, um dos mais baixos e desejados pelo mercado investidor, já que as grandes instituições financeiras do Brasil apresentam situação de balanço confortável e consolidada. Isso reduz a possibilidade de inadimplência a quase zero. Quase.
Um CDCA garantido pelo saldo de ativos de um banco como este poderia até caber no bolso de um investidor com baixa tolerância ao risco de perda ou volatilidade do ativo.
Mas isto não significa que os CDCA sejam produtos para a carteira de quem tem um perfil de investimento conservador.
No prospecto da emissão, o BTG Pactual faz alertas sobre a alocação no CDCA da Engelhart, que acabam atendendo à classe – em maior ou menor grau, dependendo do emissor.
Este tipo de produto expõe o investidor a riscos de três tipos:
- perda parcial ou total do investimento: além do risco de inadimplência do produto por se tratar de um título de dívida, CDCAs não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) – ao contrário do LCAS;
- falta de liquidez: a capacidade de liquidar rapidamente a posição em CDCA e recuperar o capital é baixa. Isso é porque Essa recompra do papel não tem garantia da tesouraria do bancocomo nas LCAs (que são títulos de financiamento bancário), e o o giro financeiro da classe no mercado secundário é baixo em comparação com aqueles com ativos semelhantes, como CRAs, alvos de demanda de fundos e outros investidores institucionais e qualificados;
- dificuldade de compreensão: investidores que não possuem conhecimento aprofundado dos riscos envolvidos na emissão e oferta de CDCA ou que não têm acesso a consultoria especializada estão lidando com um produto inadequado ao seu perfil e estão se expondo a fatores que estão além de sua percepção. E o que é pior: em caso de arrependimento, é mais difícil se desfazer da posição, porque a liquidez do papel ainda é baixa no mercado secundário.
Mas a questão da baixa liquidez da CDCA no mercado secundário pode ter sido posta em causa agora.
Com a classe voltando ao radar do mercado, o volume de oferta e demanda por esses produtos poderá crescer?
Os especialistas entendem que ainda é muito cedo para dizer se haverá realmente uma onda de emissões de CDCA a partir de agora.. O espaço existe. Interesse também.
Os indivíduos não conseguiram reinvestir o dinheiro alocado em LCAs após a queda nas ofertas desses títulos. No caso dos CRAs, o volume de emissões também caiu, e a disputa na ponta compradora se intensificou após a mudança na tributação dos fundos exclusivos (que introduziu o regime de quotas nesses produtos), que trouxe mais investidores com grande patrimônio líquido ao mercado de títulos isentos de IR.
Mas ainda não existem muitos bancos que controlem empresas que atuam no agronegócio. Isso restringe as possibilidades de outras instituições replicarem operações em configuração semelhante à oferta da Engelhart coordenada pelo BTG Pactual.
Neste extremo dos emitentes, as pequenas e médias empresas agrícolas ou cooperativas não costumam ter o mesmo apelo aos investidores que os grandes bancos.
Embora se enquadrem no grupo que pode emitir CDCAs, a maior parte das empresas do agronegócio são desconhecidas dos investidores em geral e têm pouco acesso ao mercado de capitais. Por causa disso, podem oferecer (ou parecer oferecer) mais risco, o que constrói um muro entre o seu título de dívida e os investidores individuais ou outros com menor apetite pelo risco.
“Eu também acredito que Os CRAs devem continuar a ter protagonismo como títulos de financiamento do agronegócio porque são ativos mais conhecidos e mais líquidos no mercado secundário. Além disso, a classe continua crescendo, ainda não chegou ao ponto de estagnação”, afirma o analista do SWM. “A oferta do BTG fez muito barulho porque era grande e muito bem aceita pelo mercado, o que foi uma surpresa nesse sentido. Mas ainda não é possível afirmar que o CDCA ganhará destaque como produto de captação de recursos devido a uma operação pontual. Pelo menos não por enquanto.”
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