Vivemos em uma sociedade interconectada. No contexto ambiental, isto significa que qualquer impacto num indivíduo ou comunidade repercute, em maior ou menor grau, em toda a comunidade. Quando esses impactos aumentam a ponto de causar danos substanciais a terceiros, há clara violação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito garantido pela legislação brasileira, especialmente pela Constituição Federal e pela Política Nacional do Meio Ambiente.
Esta reflexão enquadra-se em situações em que os danos causados intensificam ainda mais os acontecimentos climáticos que nos assombram diariamente. O Brasil literalmente pegou fogo nas últimas semanas. Nesse sentido, do ponto de vista jurídico e considerando a elevada sofisticação da legislação ambiental brasileira, a teia de dispositivos legais deveria ser suficiente para responsabilizar criminal, civil e administrativamente aqueles que causaram tais danos.
No entanto, enfrentamos um grande desafio no sistema de comando e controlo nacional, uma vez que as penas não são aplicadas de forma eficiente, não cumprindo os seus objectivos primordiais de repreensão, dissuasão de actos criminosos e reparação dos danos causados. Essa questão reflete um problema histórico no sistema sancionatório ambiental brasileiro, evidenciado pelo baixo índice de pagamento de multas aplicadas.
Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), apenas cerca de 5% das multas aplicadas pela agência são efetivamente pagas. Além disso, enfrentamos uma demolição do sistema de prevenção e combate a incêndios. O número atual de brigadistas não atende a demanda do Brasil, que é um país de dimensões continentais – conforme divulgado pelo IBAMA, em agosto de 2024 o número de brigadistas do Instituto aumentou para 2.227, sendo 27 deles alocados ao estado de São Paulo e 304 para Mato Grosso, um dos estados do bioma Pantanal.
Um problema complexo requer uma solução sistêmica
Os incêndios não se devem a uma única causa. Resultam de uma combinação de fatores, sendo a grande maioria dos casos originados da ação humana.. E pela ação humana podemos indicar uma lista extensa: atos criminosos por atear fogo intencionalmente; atos que levam ao aumento das temperaturas globais e a períodos mais longos de seca; administrações públicas que não consideram a emergência climática uma prioridade e não reconhecem o seu impacto direto não só nas políticas ambientais mas também nas áreas económica, educacional e de saúde; bem como o financiamento de atividades intensivas em carbono sem a devida avaliação dos seus impactos ambientais e a garantia de medidas mitigadoras.
Contudo, vale destacar um aspecto relevante – e pouco discutido – deste problema sistêmico: a deficiência na educação ambiental da populaçãoo que resulta na falta de conhecimento sobre o impacto socioambiental de atos individuais e na ausência de um senso de justiça climática.
Especialistas e pesquisadores já apontaram que as recentes queimadas na Amazônia, no Pantanal e no estado de São Paulo foram causadas pela ação humana. Criminosos ou não, e independentemente de suas causas e objetivos – abertura de novas áreas de cultivo e pastagem, redução de custos no processo de colheita, dano intencional a terceiros ou mero descuido com bituca de cigarro – a população brasileira precisa ser conscientizada sobre o impacto dessas ações. Isto é essencial para evitar que tragédias como as das últimas semanas voltem a ocorrer e para intensificar a pressão pública para a correta aplicação da lei e a punição dos responsáveis.
A educação ambiental e climática deve evidenciar a interligação entre os atos individuais e os fatores que contribuem para um cenário catastrófico como o que vivemos, para além do ato criminoso em si.
O ganância por maior área de cultivopor exemplo, é impulsionado pelo aumento do consumo. Sabe-se que maior produtividade não requer necessariamente uma maior área de cultivo, mas sim a adoção de tecnologias e práticas agrícolas sustentáveis e de baixo carbono. Ao mesmo tempo, tantos alimentos e insumos nunca foram desperdiçados.
Um estudo publicado pelas Nações Unidas mostra que mais de um bilhão de refeições por dia são desperdiçadas em todo o mundo. Assim, o consumo consciente e a produção sustentável atuam como inibidores diretos de movimentos criminosos para aumento de pastagens, por exemplo. Sabe-se também que a disposição final adequada dos resíduos, ao invés de descartá-los na floresta ou queimá-los, somada à conservação e manutenção da limpeza das matas ciliares, tem influência positiva direta na proteção dos mananciais de recursos hídricos e sobre o equilíbrio do ecossistema.
Dito isto, a sensibilização do público para informações como a mencionada acima pode – e deve – ser promovida em diferentes frentes. A implementação de Política Nacional de Educação Ambiental e outras iniciativas públicas de educação ambiental e climática devem ser promovidas. Em paralelo, Práticas ESG em setores como a agricultura e a indústria alimentar devem ser aplicados para formar seus profissionais e disseminar conhecimentos na comunidade afetada, contribuindo para uma cultura local consciente dos hábitos e medidas necessárias para evitar desastres ambientais e climáticos, como incêndios.
Mas os direitos violados não se limitam apenas aos detidos pela humanidade. É correto incluir nesta lista o direito intrínseco atribuído à Natureza como sujeito de direitos, especialmente o tratamento de animais não humanos como seres sencientes, com direito à vida. Tal reconhecimento ocorreu em diversos contextos no Brasil, como na reforma das leis orgânicas em alguns municípios, como Bonito/PE. O Superior Tribunal de Justiça também já se pronunciou nesse sentido (Recurso Especial nº 1.797.175/SP).
Durante o primeiro semestre de 2024, 4,48 milhões de hectares foram afetados por incêndios no Brasil, segundo Monitor de Incêndios do MapBiomassendo 78% desse total correspondente à vegetação nativa. Em relação à fauna, não há informações sobre quantos animais foram mortos ou feridos no total, mas estimou-se que, em 2020, pelo menos 17 milhões de animais vertebrados perderam a vida em consequência direta das queimadas no Pantanal e um número ainda maior é estimado nas queimadas de 2024.
Nesse aspecto, ainda há insuficiência na legislação e nas políticas públicas brasileiras em adotar um olhar biocêntrico para o meio ambiente, reconhecendo-o como titular de direitos, de modo que as políticas públicas e as iniciativas governamentais de fiscalização, comando e controle não deem natureza e animais não-humanos a mesma atenção dispensada aos danos causados à população humana. Este é um movimento que não só cresce em outros sistemas domésticos, mas é necessário para garantir o equilíbrio ecossistêmico essencial à manutenção da saúde e do bem-estar da humanidade.
Fogo e a urgência por justiça climática
Em resumo, as consequências que o país sofre em consequência dos incêndios ilustram claramente a justiça climática. Embora a fumaça que cobriu o país incomodasse a todos, os danos causados pelo incêndio terão consequências muito mais graves para os mais vulneráveis, humanos e não humanos. Entre os mais afetados estão os pequenos produtores que perderam suas colheitas e meios de subsistência, as comunidades indígenas cujos solos e florestas sagradas foram destruídos, bem como a fauna indefesa, cercada pelo fogo que ceifou inúmeras vidas.
Dados os diferentes factores que compõem este problema sistémico, as bases para o combate aos incêndios, no âmbito dos esforços de mitigação dos impactos desta era de emergência climática em que vivemos, devem ser construídas através da acção colectiva da sociedade, para que os resultados sejam eficaz. Para tal, é vital que a melhoria das medidas de resposta como a aplicação de padrões de comando e controlo, a disponibilização de instrumentos económicos para a recuperação de áreas destruídas, a adoção concreta de práticas ESG por parte do setor privado, bem como do setor público a sensibilização segue um caminho em que a justiça climática e a equidade são sempre consideradas pilares prioritários.
Como disse Mary Robinson: “As alterações climáticas já estão a privar as pessoas dos seus direitos à alimentação, à saúde, à habitação e à água potável. Precisamos de garantir que os mais vulneráveis não ficam para trás» e, neste caso, precisamos também de garantir o nosso direito de respirar ar puro.
Juliana Coelho Marcussi é Consultor Sênior em Mercados de Carbono na LACLIMA e advogado em Direito Climático, Ambiental e Práticas ESG. Com doutorado em Direito Ambiental pela Pace University e mestrado em Direito Empresarial Internacional pela Universidade de Utrecht, Juliana tem se dedicado à assessoria e capacitação em mercados de carbono, bem como a iniciativas para construção de políticas públicas relacionadas.
Flávia Bellaguarda é diretor executivo da LACLIMA. Advogado, mestre em Desenvolvimento Internacional e Justiça Climática pela Universidade de Birmingham/Reino Unido e especialista em Sustentabilidade e Inovação Transformativa pelo Schumacher College.
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