A força do mercado de beleza e cuidados pessoais no Brasil pode ser traduzida em números. Quarto maior mercado do mundo, fica atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão neste segmento. Segundo a consultoria WGSN, o país é responsável atualmente por uma receita de US$ 24,56 bilhões, e é projetado um crescimento de 5,96% até 2027. As marcas aqui contam com a força do fenômeno “skincare”, o cuidado com a pele.
A indústria global da beleza, por sua vez, é um mercado avaliado em mais de US$ 640 bilhões pela Statista, plataforma alemã de análise de dados, que prevê crescimento anual de 3,33% até 2028, com a consolidação dos consumidores na geração Z – nascidos entre 1997 e 2010 – e a chegada progressiva de Alpha – pessoas nascidas de 2010 a 2025.
Presidente do Grupo L’Oréal no Brasil, Marcelo Zimet destaca a importância da geração Z no desempenho do setor. Esse grupo representa cerca de 20% da população brasileira e exerce influência significativa na economia.
Segundo Patrícia Lima, os jovens da geração Z são os clientes mais exigentes da Simple Organic — Foto: Divulgação
Para ele, esses jovens possuem três características importantes: maior atenção aos valores da marca, preferência por uma experiência personalizada e conexão através do mercado influenciador. “No ano passado, nos tornamos líderes em participação de influência na categoria de beleza”, afirma Zimet.
Na Natura, a linha de perfumes unissex Humor é considerada uma “cocriação” com jovens da geração Z – mais de 900, de três países, segundo a empresa – que participaram de “conversas e dinâmicas de grupo sobre os temas da diversidade, fluidez e liberdade”. Tatiana Ponce, vice-presidente de marketing, marca e inovação da empresa, afirma que é política da empresa “associar a melhor tecnologia disponível – leia aqui inteligência artificial – ao nosso toque humano, para promover o bem-estar”.
Uma iniciativa do Grupo Boticário, a “cocriação” de Egeo Fresh Meli & Egeo Sweet Meli, duas fragrâncias com aroma de melancia, a pedido da comunidade de fãs da marca – os “botilovers” -, também é citada como exemplo disso. cenário de Gabriela Comazzetto, diretora geral de negócios do TikTok na América Latina.
No que diz respeito à perfumaria, o Brasil ocupa uma estável segunda posição no ranking de consumo mundial, perdendo apenas para o mercado dos Estados Unidos. O desafio sempre foi “vender perfumes sem poder cheirá-los”, segundo Lucia Lisboa, head para América Latina da Fine Fragrance da empresa suíça Givaudan, uma das principais produtoras de fragrâncias do mundo, fabricante de perfumes como esses da grife Jean Paul Gaultier.
Lucia Lisboa, da Givaudan, diz que os jovens Alpha e Z retomaram o interesse pela perfumaria — Foto: Masao Goto Filho/Valor
Lisboa diz que um estudo realizado no ano passado pela Givaudan, sobre as novas gerações, mostrou um distanciamento dos millennials – pessoas nascidas entre 1980 e 1995 – da perfumaria. Essa geração, também chamada de Y, sempre se interessou mais por tecnologia, diz ele, mas os jovens Alpha e Z recuperaram o interesse, principalmente por produtos unissex que ficam na memória olfativa.
Com isso, entre os perfumes, há também uma tendência premium, com maior procura pelos elixires – a maior concentração de extrato de perfume, depois do parfum, eau de parfum e eau de toilette -, os preferidos do consumidor brasileiro, que exige fragrâncias mais duradouras na pele.
Na L’Oréal, lembra Zimet, a onda “sem gênero” apareceu em pesquisas que indicam que os homens estão “vivendo um momento de quebra de ciclo, quebrando paradigmas do passado com a beleza e adotando cada vez mais o autocuidado”.
“Embora acreditemos que nenhum de nossos produtos seja específico de gênero, podemos evoluir quando falamos em comunicação específica para esse público, seja na mídia ou na própria embalagem”, afirma Zimet. Recentemente, a empresa lançou MYSLF, a nova fragrância masculina da YSL Beauty, que também tem sido uma alavanca para a L’Oréal Luxo no Brasil. “A campanha trouxe à tona as novas concepções de masculinidade que vêm surgindo recentemente, de forma a contribuir para a desconstrução de rótulos.”
Renata Gomide, do Grupo Boticário, diz que ‘consumidores cada vez mais exigentes’ buscam produtos com ‘altíssima qualidade’ — Foto: Divulgação
Com a entrada dos jovens Alpha e Z no mercado de beleza, questões relacionadas à sustentabilidade teriam ganhado força na jornada de compras, segundo as marcas, bem como diversidade e personalização, inclusive por meio de ferramentas de IA.
Os consumidores dessas faixas etárias são considerados mais atentos às agendas ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) das empresas do setor: questionam a origem de seus princípios ativos, querem saber quais são as consequências ambientais e sociais Os impactos da sua produção são, se houve testes em animais e até danos à vida marinha, com o branqueamento de corais, como é o caso de alguns protetores solares.
Mesmo que grandes marcas tenham programas de sustentabilidade, um ritmo mais acelerado de inovação no setor é atribuído às startups de beleza – beauty techs –, muitas das quais são nativas digitais. Porém, a dificuldade dessas jovens empresas em produzir em larga escala acaba afetando muitos negócios.
Criada em 2017 pela empresária Patrícia Lima, a beauty tech catarinense Simple Organic viu o jogo mudar ao ser adquirida em 2020 pela farmacêutica Hypera. Lima afirma que “a sustentabilidade custa caro”, e que não conseguiria manter a produção com ingredientes orgânicos, veganos, naturais e cruelty-free, condições sine qua non das novas gerações, se não fosse o apoio financeiro de uma grande investidor.
Tatiana Ponce, da Natura: aliando tecnologia ao toque humano ‘para promover bem-estar’ — Foto: Divulgação
“Desde a aquisição, crescemos 1.100%”, afirma a empresária. “É isso que também nos permite lançar produtos com preços mais acessíveis, mantendo o lucro da empresa.”
Segundo Lima, os jovens da geração Z constituem a clientela mais exigente da Simple Organic. “Essas são as maiores dúvidas que recebemos sobre políticas de embalagem”, diz ela. “É uma geração questionadora. Exigem também diversidade e igualdade de género nas empresas. Simple é um ativista. Somos a primeira marca a levantar a bandeira dos filtros solares sustentáveis, que não afetam os corais. Num país com a extensão de costa que temos, isso faz a diferença.”
É importante destacar, por outro lado, que muitos desses jovens que utilizam as redes sociais como fonte de informação acabam utilizando produtos inadequados para suas respectivas idades, como o ácido retinóico. Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a médica Daniela Pimentel afirma que grande parte de seus pacientes na faixa etária adulta já chega ao consultório com rotinas próprias de cuidados com a pele.
“Muitas vezes acabam exagerando e querendo usar muitos princípios ativos ao mesmo tempo. O problema é que nem tudo que veem e compram é adequado para elas, e usar vários produtos ao mesmo tempo, principalmente os inadequados, pode prejudicar a saúde da pele. Por isso sempre enfatizamos a importância de consultar um dermatologista”, afirma.
Marcelo Zimet, da L’Oréal Brasil: campanha traz à tona ‘novas concepções de masculinidade que vêm surgindo’ — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Lá fora, os sinais de aquecimento do mercado começaram no ano passado. A desaceleração da economia chinesa tem impactado as marcas de luxo como um todo, mas os seus segmentos de beleza apresentaram desempenhos positivos, com destaque para a Sephora, a meca das gerações Alpha e Z, pertencente ao conglomerado de luxo LVMH.
Dono da Gucci, o grupo Kering criou no ano passado a Kering Beauté, uma divisão de beleza, setor que o conglomerado identifica como estratégico e “que constitui uma extensão natural” do seu universo, segundo um comunicado. A gigante do luxo tem vindo a desenvolver produtos para algumas das suas marcas mais icónicas, como Bottega Veneta, Balenciaga e Alexander McQueen.
Dono de gigantes da relojoaria e joalheria de luxo como Cartier e Baume & Mercier, o grupo suíço Richemont criou o Laboratoire de Haute Parfumerie et Beauté, com o objetivo de fazer com que suas maisons já envolvidas em fragrâncias “atingissem massa crítica neste ramo altamente competitivo, onde escala é crucial”, segundo o anúncio de sua criação. Atualmente, a francesa Interparfums é responsável pela produção de três perfumes ligados às marcas Richemont: Dunhill, Van Cleef & Arpels e Montblanc.
Em relação à Montblanc, o Grupo Vizcaya, que representa a Interparfums no Brasil, acaba de lançar uma nova linha de perfumes associada à maison alemã. Unissex, muito ao gosto do cliente Z ou Alpha, as quatro fragrâncias são as primeiras da categoria premium associada à Montblanc. Através do formato dos seus frascos e do uso da caligrafia para identificar cada perfume, celebram os 100 anos da Meisterstück, a emblemática caneta-tinteiro da marca.
Gerente de marketing das marcas internacionais do Grupo Vizcaya, Mariangela Ramos afirma que a Montblanc sempre teve uma imagem mais conservadora e tradicional. “Mas hoje a exigência é ser plural e atemporal”, diz Ramos. “Precisamos fazer essa conexão com um público que não quer ser rotulado.”
Algumas tendências previstas recentemente pela consultoria Euromonitor já começam a se consolidar no mercado de beleza. Num estudo, a empresa menciona uma categoria de consumidores chamados “pragmáticos do bem-estar”, para quem a eficácia comprovada de um produto desempenha um papel decisivo na jornada de compra: 85% dos consumidores estariam dispostos a pagar mais por produtos de beleza com eficácia comprovada. benefícios. A tendência, por sua vez, beneficia o mercado “premium”.
É uma geração questionadora. Exigem também diversidade e igualdade de género dentro das empresas”
– Patrícia Lima
“Com a democratização da informação e o crescimento exponencial da utilização das redes sociais, temos visto consumidores cada vez mais exigentes na procura de produtos com a máxima qualidade, o que nos leva diretamente à premiumização das escolhas do consumidor por produtos com atributos, princípios ativos , ingredientes e performance cada vez mais relevantes”, explica Renata Gomide, vice-presidente de consumo do Grupo Boticário.
“Como resposta a esse movimento, temos mais marcas premium como OUi, com fragrâncias sofisticadas, desenvolvidas por perfumistas franceses, e Truss, com linhas profissionais, que atendem um segmento que engloba tecnologia e técnicas de salão de beleza”, afirma Gomide.
Para Zimet, do Grupo L’Oréal, o Brasil também tem acompanhado a tendência de busca por produtos mais sofisticados, e os consumidores estão “abertos a investir”, desde que suas expectativas em relação a esses aspectos sejam atendidas.
“Todas as categorias têm forte potencial de valorização. Em produtos para cabelos, por exemplo, a penetração é muito alta, mas ainda conseguimos trazer novos tratamentos e agregar valor”, afirma o executivo.
A crescente personalização de produtos também é vista como tendência no mercado de beleza, com as novas gerações interessadas em explorar as possibilidades da inteligência artificial. As marcas utilizam as ferramentas principalmente para coletar dados dos consumidores e recomendar produtos e rotinas customizadas de acordo não só com seus gostos, mas também com seus tipos de pele, por exemplo.
Renata Gomide afirma que o Boticário foi pioneiro no uso de IA no mercado de beleza, frente na qual estão trabalhando a fundo. “Já trabalhamos com realidade aumentada em maquiagem e skincare, que são os grupos que mais precisam de ajuda na hora de comprar. Nosso objetivo é nos tornarmos consultores de beleza, ajudando na jornada de compra em todas as nossas categorias, conseguindo tirar todos os tipos de dúvidas dos nossos consumidores”, afirma.
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