Num cenário global cada vez mais preocupado com as alterações climáticas, o recente relatório da consultora de soluções ambientais Systemica mostra que as emissões de créditos de carbono irão abrandar em 2024.
De acordo com um relatório em primeira mão obtido por Valoro volume de emissões no mundo caiu 39% no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado e de 2022. Até junho, a geração de novos créditos foi de 102 MtCO2e (milhões de toneladas de carbono equivalente).
Considerando apenas o segundo trimestre de 2024, registou-se também uma diminuição na geração de novos créditos em cerca de 34% face aos primeiros três meses do ano. Os preços baixos e a demora no registro das empresas verificadoras, que fornecem metodologias para comprovação dos ativos, ajudam a explicar o mau momento do setor.
Segundo Munir Soares, CEO e fundador da Systemica, notícias negativas no mercado internacional e brasileiro ainda assombram o setor e geram desconfiança quanto à sua seriedade por parte de algumas empresas. Desde 2023, foram divulgadas uma série de denúncias e investigações sobre créditos fantasmas, fraudes e baixa integridade de projetos, principalmente do tipo REDD+, que busca preservar a floresta nativa para garantir a absorção do dióxido de carbono da atmosfera por aquela vegetação.
Isto também se refletiu nos preços dos ativos. Cada crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono equivalente retirado da atmosfera (tCO2e). No segundo trimestre, houve um declínio de mais de 6% no preço dos créditos de REDD+ globalmente, para uma média de US$ 4,10 por tCO2e.
No mesmo período, foram negociados créditos para projetos de geração de gás a partir de resíduos de aterros (em inglês, landfill gas credits) por US$ 4,70/tCO2e. O preço médio negociado de todos os ativos foi de US$ 5,80/tCO2e no segundo trimestre, 18% superior ao dos três primeiros meses do ano.
Os créditos de restauração florestal (ARR – Florestamento, Reflorestamento e Revegetação), que visam recuperar áreas degradadas e que, até então, absorviam pouco CO2 da atmosfera, se destacaram no período e elevaram a média geral. Com o aumento da demanda, o valor médio desses títulos ficou em US$ 12,70 por tCO2e, o maior entre todos.
“O mercado, como já mencionado, vem demonstrando iniciativas para aumentar a qualidade geral dos projetos. É vital que essas iniciativas continuem e que sejam estabelecidos padrões claros para avaliar projetos que demonstrem efetivamente alta integridade e adicionalidade”, comenta.
Soares cita como exemplo o Conselho de Integridade para o Mercado Voluntário de Carbono (ICVCM) e a Iniciativa Voluntária de Integridade dos Mercados de Carbono (VCMI), órgãos internacionais que se concentraram em rever regras e diretrizes, elevar os padrões de qualidade e integridade necessários e verificar se as metodologias existentes são elevando a barra.
“Embora haja avanços significativos, o estabelecimento desses padrões é um processo gradual e a recuperação dos preços tem ocorrido de forma lenta”, pondera. Ele destaca que tudo isso pode trazer maior conforto e aumentar a confiança dos investidores.
Outra discussão “quente” que dificulta o desenvolvimento do mercado voluntário de créditos de carbono é a falta de consenso sobre a utilização de créditos de carbono para neutralizar as emissões de escopo 3 (emissões indiretas). Esse contexto incerto também acabou prejudicando o volume de retiradas de créditos, ou seja, quando são contabilizadas oficialmente para neutralizar as emissões do estoque da empresa em determinado período e não podem mais ser utilizadas. No primeiro semestre de 2024, o volume de créditos aposentados cresceu 3% e registrou volumes recordes (55 MtCO2e), mas perdeu força nos meses seguintes, com queda de 39% nas aposentadorias entre abril e junho. Mesmo assim, a Systemica estima que as aposentadorias chegarão a 180 MtCO2e até o final do ano.
Muitos desenvolvedores aguardam sinais de preços mais favoráveis para prosseguir com a verificação e emissão de seus créditos. E, paralelamente, as principais certificadoras também enfrentam atrasos nos processos de verificação e emissão, pois aguardam novas orientações mais rigorosas, o que também contribui para o abrandamento desta tendência.
“Os créditos de carbono oferecem uma solução para as empresas implementarem ações climáticas imediatas enquanto procuram soluções de longo prazo. São ferramentas complementares numa estratégia de descarbonização robusta e realista”, afirma Soares.
Brasil lidera o número de projetos de crédito de carbono na América Latina com 40% do total
O próprio REDD+, diz ele, pode ser uma ponte até que os créditos de restauração, cujos projetos levam pelo menos cinco anos para começar a gerar créditos em grandes volumes, cheguem ao mercado. “Embora o preço médio dos projetos de REDD+ ainda seja baixo, alguns projetos de alta integridade atingiram valores de até 17 US$/tCO2e neste segundo semestre”, comenta o executivo.
Ele diz ainda que enquanto algumas empresas abandonam compromissos oficiais alegando custos elevados e prazos incompatíveis com seus objetivos, outro movimento continua forte, o de empresas que investem em diversos tipos de soluções para remoção de carbono: créditos de carbono provenientes de soluções baseadas na natureza, engenharia , captura direta de carbono (DAC), bioenergia com captura e armazenamento de carbono.
“Mesmo que tenha havido uma queda substancial nas transações e retiradas de créditos de carbono no segundo semestre, tanto no Brasil quanto no mundo, o mercado tem registrado um aumento no interesse em contratos por meio do chamado ‘offtake’, a compra antecipada de créditos e contratos de fornecimento”, afirma.
Google e Microsoft, por exemplo, viram suas emissões dispararem – com o crescimento do uso de tecnologia, data centers e, em especial, inteligência artificial – e vêm investindo no segmento. Em junho, o BTG Pactual Timberland Investment Group (TIG) e a Microsoft firmaram um acordo de compra e venda de até 8 milhões de créditos de remoção de carbono baseados na natureza até 2043. Os créditos serão entregues por meio da estratégia de reflorestamento e restauração de 135 mil hectares de áreas nativas. florestas de propriedade do BTG Pactual TIG na América Latina.
Soares lembra ainda que o número de empresas comprometidas com metas de descarbonização de base científica, submetidas e aprovadas pela Science Based Targets Initiative (SBTi), cresceu em 963 empresas até ao final do segundo trimestre. No total, são mais de 8 mil empresas alinhadas ao SBTi, sendo que metade aderiu apenas no último ano.
O setor de serviços, como consultoria e auditoria, é o que mais se destaca em termos de metas submetidas ao órgão, seguido pelos serviços de software e tecnologia; processamento de alimentos e bebidas; têxteis, calçados e acessórios e máquinas, equipamentos elétricos e máquinas. Por outro lado, as empresas do sector petrolífero não estão comprometidas com o SBTi, mostra o relatório.
A Systemica também apresenta uma distribuição por regiões. Na América Latina, o Brasil é o líder, com 40,5% do total de projetos e 28,4% de reduções anuais de emissões em termos de volume. No total são 118 projetos. Como base de comparação, a Colômbia tem 45 projetos, o Peru tem 28, o Chile tem 24, o Uruguai tem 16 e a Argentina tem 12.
O relatório compila, trimestralmente, dados públicos disponibilizados pelas empresas verificadoras ACR, CAR, Gold Standard, Verra e outras.
Os ventos podem mudar com o esforço coletivo dos agentes de mercado para aumentar a credibilidade – e a própria integridade – dos créditos gerados e vendidos, e também o avanço da aprovação do mercado regulado que precifica as emissões de carbono. O Brasil, por exemplo, é um dos países que discute no Congresso um projeto de lei para regular o mercado de carbono.
Para Soares, se for adiante, a legislação também poderá ter um impacto significativo no mercado voluntário de carbono. Isso porque, pelo menos no texto em análise no Senado, está prevista uma intersecção entre créditos voluntários de carbono e créditos de mercado regulado. Ou seja, empresas e outras organizações que emitirem mais que o teto também poderão comprar créditos no mercado voluntário para compensar o excesso, caso o texto seja aprovado com o item.
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