- Taxa de analfabetismo quilombola é mais que o dobro da média nacional, diz IBGE
Os dados sobre localidades quilombolas, do IBGE, foram elaborados com base em mapeamento inédito realizado pelo próprio instituto sobre os quilombolas do país com base no Censo Demográfico. O resultado consta da pesquisa “Censo Demográfico 2022 Quilombolas: Alfabetização e características dos domicílios, segundo recortes territoriais específicos – Resultados do universo e Localidades Quilombolas”.
Foram consideradas localidades quilombolas os locais do território nacional onde exista aglomeração permanente de habitantes quilombolas ou vinculados à comunidade quilombola e que possuam pelo menos 15 pessoas declaradas quilombolas cujas residências distem, no máximo, 200 metros umas das outras.
Fernando Damasco, pesquisador do IBGE, lembrou que o Censo 2022 é o primeiro a realizar algum tipo de mapeamento censitário dos quilombolas no país. O IBGE divulgou os primeiros resultados do Censo, relativos aos quilombos, em julho do ano passado (Censo 2022 – Quilombolas: Primeiros Resultados). Na época, o instituto informou ter contabilizado 1,327 milhão de quilombolas.
Porém, no caso da contagem efetiva das localidades quilombolas por meio do Censo, o instituto optou na época por uma abordagem diferente. Como as informações coletadas na pesquisa de campo para o Censo ainda estavam em processamento pelos pesquisadores do IBGE, o instituto optou, na época, por mapear todos os quilombos que haviam passado por algum tipo de processo de regularização territorial quilombola. O mapeamento foi feito por meio de buscas em outras bases de dados.
O número apurado, à época, e divulgado em julho de 2023, foi de 494 territórios quilombolas, um pouco superior ao estudo publicado hoje (467, que são aqueles que são reconhecidos oficialmente apenas pelas Unidades da Federação).
“Mas já sabíamos que havia um número maior [de quilombos]— disse Damasco. O técnico explicou que pesquisadores do IBGE já intuíam, por meio de pesquisas e estudos já publicados sobre o tema, a existência de um número considerável de quilombos no país – que ainda não possuem nenhum tipo de reconhecimento oficial da União ou de outro gestor. público. Encontrar e mapear esses locais foi uma das missões do Censo 2022, disse o especialista.
No estudo publicado hoje, o IBGE também definiu o conceito de comunidade quilombola. São aglomerações de pessoas, declaradas quilombolas, com a mesma declaração de comunidade. Esse pertencimento está relacionado a questões étnicas, históricas e sociais, de forma que uma mesma comunidade pode ser constituída por mais de um local, dependendo da necessidade de dispersão espacial e das formas de organização local e regional de cada grupo.
Assim, quilombolas de uma mesma comunidade poderiam estar localizados em situações territoriais diferentes, em áreas urbanas ou rurais, dentro ou fora dos territórios quilombolas oficialmente delimitados, explicou Damasco.
Portanto, segundo pesquisadores do IBGE, as 8.441 localidades contabilizadas pelo instituto estavam associadas a um número de 7.666 comunidades declaradas pelos informantes da pesquisa.
“Uma mesma comunidade pode ter registros de localidades diferentes”, afirmou, citando o exemplo do quilombo Palmeira dos Negros, cujo IBGE encontrou membros em localidades diferentes. “A comunidade, o conceito de comunidade não é uma referência cristalizada no espaço. É um vínculo comunitário histórico”, disse ele. “Há um vínculo étnico e comunitário que vai além do vínculo territorial”, resumiu.
Damasco fez questão de destacar que o trabalho do IBGE na definição de localidade e comunidade foi feito com o auxílio de conversas com representantes e lideranças quilombolas.
“Abrimos um novo momento em todas as pesquisas relacionadas às comunidades quilombolas, que agora podem trabalhar no nível de detalhamento onde estão concentradas”, disse. “Já havíamos divulgado dados populacionais, que ofereciam mapeamento por municípios. Mas agora divulgamos áreas onde realmente há essa concentração populacional”, disse.
A maioria das residências com pelo menos um quilombola residente no país tinha pouco ou nenhum tipo de tratamento de esgoto. Quase 800 mil quilombolas (765.617 ou 57,67% do total) usavam fossa séptica ou furo rudimentar como rede de esgoto de suas residências.
Apenas 29,46% dos domicílios com pelo menos um morador quilombola possuíam esgotamento sanitário para rede geral ou fossa séptica ou fossa filtrante. A média nacional desses dados é de 75,74%, informou ainda o instituto. “Só cerca de 30% dos quilombolas estão em um grupo com maior aptidão em termos de esgoto”, resumiu Marta de Oliveira Antunes, investigadora do instituto.
Em geral, o acesso precário aos serviços de saneamento básico prevalece entre os quilombolas, reconheceu ela. Antunes comentou que 357.068 domicílios particulares permanentes, onde vivem 1.047.779 quilombolas (78,93% do total), convivem com pelo menos alguma precariedade em termos de saneamento básico. Esse percentual, para esta mesma categoria, na média nacional é bem menor, de 27,28%, continuou.
No estudo, pesquisadores do IBGE mostram que um terço (34,37%) dos domicílios particulares permanentes com morador quilombola ainda dependem dos recursos hídricos locais como principal forma de abastecimento de água. Este seria um poço profundo ou artesiano, um poço raso, freático ou de cacimba, uma fonte, nascente ou mina, rios, represas, lagos e riachos.
Além disso, do total da população quilombola, 53,99% dos moradores utilizavam a “rede geral de distribuição” como principal meio de abastecimento de água. Mas 20,51% ainda utilizavam “poço profundo ou artesiano”, enquanto 8,67% utilizavam “poço raso, freático ou de água”. No caso da população total residente no Brasil, as proporções de uso para essas mesmas categorias foram de 82,9%, 9,0% e 3,2%, para essas três formas de abastecimento.
O IBGE constatou também que, entre os 467 territórios quilombolas oficialmente delimitados por Unidades da Federação, 75,95% possuíam fossa séptica rudimentar, furo, vala, rio, lago, córrego ou mar ou outra forma de disposição de esgoto; ou houve maior predominância de domicílios com pelo menos um quilombola sem banheiro ou sanitário.
Também em quase metade dos domicílios, com pelo menos um morador quilombola (193.437 de um universo de 474.747), o lixo é queimado na propriedade, sem qualquer outro tipo de tratamento de resíduos.
Damasco observou que, em seu entendimento, os dados indicam que as ações públicas para oferecer acesso ao saneamento a todos no país não se refletiram amplamente na infraestrutura oferecida à população quilombola brasileira. Para o técnico, as informações do instituto sobre o tema, veiculadas no estudo, serão relevantes para fornecer dados para estratégias de políticas públicas que possam ajudar a solucionar esse problema.
Oliveira e Damasco explicaram, porém, que é preciso aguardar o censo populacional das zonas rurais e urbanas, que ainda não foi divulgado, para medir com precisão a dimensão do problema. Isto porque algumas zonas rurais não têm ligação à rede geral de água e costumam utilizar poços como principal forma de abastecimento. A distribuição da população rural e urbana do país deverá ser divulgada pelo IBGE no final do ano, segundo Antunes.
Mesmo assim, os dois são unânimes em admitir um ponto. Mesmo sem uma discriminação pronta das áreas urbanas e rurais do país, os dados coletados e processados até agora indicam uma disparidade entre a prestação de serviços de saneamento básico aos quilombolas em comparação com o que é encontrado na média nacional do país.
Buraco em casa sem banheiro
Quase 10% dos quilombolas tinham apenas um vaso sanitário ou esgoto em domicílios sem banheiro no país.
No estudo, 9,75% dos quilombolas do país, ou 129.364 pessoas, estavam em casas sem banheiro, apenas com vaso sanitário ou esgoto, detalhou o IBGE. Além disso, 53.787 não tinham banheiro nem toalete, ou 4,05% do total.
Além disso, entre os moradores quilombolas em territórios oficialmente demarcados, 24,77% (ou 41.493 quilombolas) não possuíam banheiro de uso exclusivo do domicílio: 5,54% (9.281) possuíam “apenas banheiro de uso comum em mais de um domicílio”. ; 12,99% (21.765) possuíam “apenas vaso sanitário ou esgoto, inclusive os localizados no chão”; e 6,24% (10.447) “Não tinham banheiro nem sanitário”.
Os números também não são favoráveis para o total da população quilombola (aqueles que vivem dentro e fora dos territórios quilombolas). Desse contingente, 17,15% (227.667) residem em domicílios que não possuem banheiro exclusivo: 3,35% (44.516) dependiam de banheiro compartilhado por mais de um domicílio, 9,75% (129.364) só possuíam vaso sanitário ou furo para resíduos e 4,05 % (53.787) não tinha casa de banho nem WC. Essas parcelas são superiores à média nacional dessas categorias, segundo o IBGE. Para o total da população residente no país, as proporções foram: 2,25%, 0,50%, 1,16% e 0,59%.
Antunes lembrou que o instituto faz uma distinção entre habitações com casa de banho e habitações apenas com sanita. O IBGE classifica banheiro como a área que possui local para banho e toalete dentro de casa.
A pesquisadora detalhou ainda que, nos 467 territórios quilombolas oficialmente delimitados por Unidades da Federação, em 88, ou 18,84% do total, o número de domicílios com pelo menos uma pessoa sem banheiro exclusivo é maior ou igual a 50%. Desse total, 45 deles estavam no Maranhão; 28 no Pará e 10 no Ceará.
“Na população em geral, quase 100% possuem banheiro de uso exclusivo em casa; mas esse percentual é menor entre os quilombolas”, acrescentou Antunes. No estudo, 82,85% das residências com pelo menos um morador quilombola possuíam banheiro de uso exclusivo na residência, segundo estudo do IBGE.
“Esses números [sobre acesso à banheiro] chamar a atenção”, admitiu Fernando Damasco, também pesquisador do instituto. Para ele, os dados mostram que a população quilombola tem grande dificuldade de acesso aos banheiros de suas residências.
No seu entendimento, o mapeamento realizado pelo IBGE sobre o tema pode ser utilizado como subsídio para direcionar políticas públicas com o objetivo de melhorar esses resultados junto à população quilombola no país.
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