Superficialmente, o primeiro fim de semana das férias escolares de verão na França foi como todos os outros. Este ano, porém, houve uma diferença importante. Os franceses pegaram a estrada, mas 3,3 milhões deles deixaram votos por procuração para o segundo turno das eleições legislativas, neste domingo (7). Na França, o voto é opcional, mas é permitido autorizar alguém a votar em seu lugar.
O número recorde de votos por procuração – quatro vezes superior ao das eleições anteriores, em 2022 – demonstra o grande interesse suscitado por esta eleição fora de época, que poderá levar a ultradireita ao poder em França pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.
A taxa de participação às 17h de Paris (10h de Brasília) já estava em 59,7% do eleitorado. Isto permite prever que quando as urnas encerrarem às 20 horas, o total superará os 66,7% de participação de há uma semana, na primeira volta.
O presidente Emmanuel Macron, de 46 anos, e a primeira-dama Brigitte, de 71, votaram às 12h30, hora local, na estância turística de Le Touquet, no norte de França, onde têm residência de verão. Após a votação, Macron cumprimentou e tirou fotos com os eleitores. Mais cedo, por volta das 10h, o primeiro-ministro Gabriel Attal votou em Paris.
Uma pesquisa da Ipsos, realizada no último domingo, mostrou que a baixa abstenção ocorre tanto entre os eleitores da ultradireita, entusiasmados com a perspectiva de vitória, quanto entre os do centro e da esquerda, temerosos de que Jordan Bardella, 28, presidente da Reunião Nacional (RN ), tornar-se primeiro-ministro.
As pesquisas também indicam que o RN se tornará o maior grupo da Assembleia, longe da maioria absoluta (289 dos 577 deputados), e Bardella já disse que não governará sem ter maioria.
De acordo com Ipsos, a ultradireita terá no máximo 205 assentoscontra mesmo 175 da Nova Frente Popularcoligação de esquerda e até 148 de Juntos, bloco centrista do presidente Emmanuel Macron. Isto poderá gerar um impasse até a definição do primeiro-ministro que sucederá ao centrista Gabriel Attal.
O Ministério da Justiça anunciou um contingente excepcional de 30 mil policiais nas ruas francesas neste domingodevido ao medo de falência após o anúncio dos primeiros resultados, o clima durante a semana foi altamente polarizado.
Nos últimos dias, centenas de intelectuais, artistas, jornalistas e desportistas defenderam publicamente uma “frente republicana” para impedir a vitória do RN. A Folha ouviu algumas dessas personalidades esta semana na Praça da República, tradicional ponto de manifestações políticas da capital francesa.
O jornalista Edwy Plenel, ex-editor-chefe do jornal Le Monde e fundador do site de jornalismo de investigação Médiopart, descreveu a decisão de Macron de dissolver a Assembleia Nacional e qualificar as eleições de irresponsáveis, na sequência do fraco resultado nas eleições para o Parlamento Europeu. . , no início de junho.
“A oposição [de esquerda] Ele não teve tempo para realmente se organizar. [Macron] É como um árbitro de futebol que diz ao time que ganhou uma partida: ‘continue o jogo, a bola está nos seus pés, você pode fazer outro gol’. E é bem possível que a extrema direita faça esse gol”, comparou Plenel.
Para ele, o risco é que um grupo político “apoiado pelo imperialismo russo, um regime neofascista que apoia Madame Le Pen” chegue ao poder. Ele se refere ao líder do RN, Marine Le Pen, 55 anos, que declarou publicamente sua admiração pelo líder russo Vladimir Putinaté a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022.
Plenel alertou para o risco de três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas – Rússia, França e EUA – terem governos antidemocráticos, em caso de vitória do partido de Le Pen nas eleições legislativas francesas e do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais americanas em novembro.
Julia Cagé, uma das economistas mais respeitadas da França, disse ao repórter que a vitória do RN “será catastrófica sob todos os pontos de vista”.
“Veja o que aconteceu no Brasil com Bolsonaro”, disse ele Jaula, autora de um livro sobre a história eleitoral francesa, escrito com o marido, Thomas Piketty, outro economista renomado. “Será um desastre para a universidade, para a liberdade de pensamento, para a independência dos meios de comunicação, para os direitos das mulheres”.
Alguns jogadores da seleção francesa de futebol masculino, atualmente competindo no Campeonato Europeu na Alemanha, apelou aos eleitores para votar contra a ultradireita. Entre eles, o maior ídolo da França, Kylian Mbappé, e o atacante Marcus Thuram.
O pai de Marcus é Lilian Thuram, campeã mundial com a França em 1998 e conhecida por seu envolvimento político. À Folha, Lilian disse estar orgulhosa da posição do filho. “Na minha época, Jean-Marie Le Pen [pai de Marine e fundador da RN] Já se dizia que na seleção francesa havia muitos jogadores de pele negra. Não há nada novo. A ideia do RN é dizer que se você não é branco, você não é totalmente francês”.
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