Há algum tempo, minha querida sobrinha Sophia, de 12 anos, tentou me explicar algo que eu tinha dificuldade de entender. Foi quando ela perguntou: “Quer que eu desenhe, tio?” Respondi à Sophia que, como sou professora, também gosto de “desenhar”, pois é uma boa estratégia de ensino.
Nos últimos dias, vimos o presidente Lula da Silva criticar o Banco Central (BC), afirmando que não há necessidade de uma taxa de juros de 10,5% agora e que o futuro presidente da instituição, que ele nomeará em breve, terá que preocupar-se com o país e não com o mercado financeiro e que existe um jogo de interesses especulativos contra a nossa moeda.
Como mencionei acima, devido ao meu hábito docente, peço autorização ao leitor para utilizar a tática de Sophia e criar o primeiro “desenho” do artigo, ou seja, entender a importância do mercado financeiro para uma economia saudável e próspera.
Num sistema capitalista coexistem agentes económicos com excedentes, aqueles que criam poupanças (têm mais rendimentos do que despesas) com aqueles que têm défices (gastam mais do que recebem de rendimento). Aqueles que têm excedentes, obviamente, querem investir o seu “excedente” (poupança) de uma forma segura e lucrativa. Aqueles que têm défices precisam de financiar as suas diferenças, contraindo empréstimos aos que têm défices. Esse é o principal papel do mercado financeiro: uni-los de forma eficiente!
O ponto relevante é que, quanto mais eficaz for este processo, mais o país estará no caminho certo para ter sucesso na sua economia. Em primeiro lugar, porque haverá um estímulo fundamental à formação de poupança. Em segundo lugar, porque permite o fluxo de recursos, num ambiente seguro. Em outras palavras, O mercado financeiro não é um casino, um site de apostas, como muitos defendem, mas sim uma entidade muito importante no processo de crescimento económico, pois existe uma tendência das empresas investirem, via mercado de capitais, gerando rendimentos e emprego.
O segundo “desenho” tem a ver com a dinâmica que vem ocorrendo entre dólar, juros e inflaçãonas últimas semanas.
Numa economia de mercado livre, onde alguns preços respondem não só à procura e à oferta, mas também às expectativas, a taxa de câmbio desempenha um papel inquestionável, pois é uma das variáveis mais sensíveis ao estado de espírito dos investidoresprincipalmente os estrangeiros, que, se incomodados, compram dólares para fugir do país.
A lógica do que observamos atualmente é, em suma, a seguinte: muitos produtos que as famílias e as empresas necessitam no seu dia a dia têm componentes importados. Alguns, como alimentos e commodities em geral, são importados prontos; será comprado e consumido aqui. Portanto, um forte aumento da taxa de câmbio implica que haverá um repasse desse aumento das importações para o produto final, o que implica que há uma tendência de a inflação subir à frente. Nesse sentido, como o BC tem uma meta de inflação a cumprir (é a chata da festa, como bem disse o diretor Galípolo), precisará subir a taxa de juros.
Então, como minha sobrinha fez comigo, “desenhando” de forma simples: As críticas das autoridades ao BC prejudicam as expectativas, o câmbio se desvaloriza, as expectativas de inflação ficam desancoradas, o que se reflete no Focus, que aumenta sua projeção para o IPCA (o que já vem acontecendo há algumas semanas) e o Copom vai considerar aumento das taxas de juros, o que, antecipadamente, se reflete na curva futura de taxas de juros do mercado, que subiu drasticamente. Dinâmica perversa!
Por fim, lembremos que o governo é o principal agente deficitário no Brasil. Em 12 meses, temos um déficit primário em torno de 2,5% do PIB. O Ministro Haddad disse na semana passada que irá contingenciamento de R$ 26 bilhões em despesas obrigatórias, o que, se for eficaz, é uma boa notícia. Ele também tem dito que o que vem acontecendo é ruído e que o governo precisa se comunicar melhor, principalmente na agenda econômica. Minha sugestão: que tal investir em cursos de desenho para administração como um todo?
Alexandre Espírito SantoEconomista-chefe da Investimentos Way e prof. IBMEC-RJ
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