As cidades precisam ser planejadas de acordo com as necessidades das crianças, principalmente daquelas de até 6 anos de idade. Isso traria benefícios para todos os grupos, além de vantagens econômicas para a sociedade e redução de custos para os gestores públicos no longo prazo. Este é o conceito central da proposta que o pensador e pedagogo italiano Francesco Tonucci leva há três décadas aos prefeitos de todo o mundo através da “Rede Mundial de Cidades Infantis”.
O projeto criado pelo italiano reúne atualmente 200 cidades ao redor do mundo que buscam planejar e executar políticas públicas para integrar as crianças à vida urbana. “Hoje, a grande maioria das cidades é muito cara em todos os níveis porque as pessoas vivem na pobreza. Vejamos as questões ambientais, por exemplo. A forma como as cidades foram construídas tem um efeito negativo impressionante na saúde pública, e a saúde é uma das áreas que mais gera gastos para a sociedade”, observa Tonucci, que veio ao Brasil para participar do 2º Encontro Brasileiro de Cidades Infantis e do Programa Internacional da Criança. Fórum. O evento começou ontem e vai até sábado em Jundiaí, no interior de São Paulo, uma das cidades brasileiras que fazem parte da rede.
Segundo Tonucci, embora nenhuma cidade no mundo possa ser verdadeiramente considerada uma cidade infantil, incentivar os gestores públicos a pensar na primeira infância é uma estratégia de mudança estruturante para resolver todos os outros problemas sociais, económicos e de mobilidade. Leia a entrevista concedida a Valor dias antes de chegar ao Brasil.
Valor: A ideia de transformar as cidades priorizando os desejos e necessidades das crianças, que não votam, não encontra resistência de grupos políticos?
Francisco Tonucci: O projeto em si, sendo uma ideia para melhorar as cidades, é compatível com qualquer alinhamento político. Mas a ideia filosófica por trás disso é uma mudança de parâmetro. As cidades tomaram como parâmetro os trabalhadores adultos e fizeram cidades para eles. Isso significa que quem não é homem, adulto e tem emprego vive na pobreza. Ou seja, é o mesmo que dizer que a maioria vive mal, pois há mulheres, crianças, idosos, deficientes e até homens adultos desempregados. É um projeto de cidade muito seletivo. Dito isto e considerando que a política de direita é normalmente uma política de conservação e não de mudança, poder-se-ia imaginar que uma política progressista de esquerda estaria mais próxima do projecto. Mas, em nossos 33 anos de história, colaboramos com gestões com características diversas.
Valor: Transformar as cidades tendo em mente as crianças traz vantagens económicas?
Toucci: Não sou economista, mas James Heckman é um vencedor do Prémio Nobel de Economia que demonstrou que a prestação de serviços de qualidade para a primeira infância, especialmente escolas, tem efeitos económicos impressionantes. Em seus estudos, acompanhou um grupo de crianças de bairros carentes dos EUA, com altos índices de criminalidade e níveis econômicos muito baixos, que estudaram em escolas de alto nível dos três aos seis anos de idade. Ele identificou 20 anos depois que, dentro deste grupo observado, os registos criminais envolvendo estas ex-crianças eram 70% inferiores aos de crianças da mesma região que não tiveram as mesmas oportunidades. Além disso, aqueles que participaram do grupo que estudava em uma escola de qualidade tiveram progressos interessantes em suas carreiras profissionais, acima da média de seus vizinhos. Para mim, como educador sensível aos problemas sociais, esta evidência é suficiente, custe o que custar. Mas ressalto que Heckman é economista e, com base nesses estudos que fez, calculou um retorno de US$ 7 para cada US$ 1 investido na primeira infância.
Valor: Que outras áreas, além da economia, seriam beneficiadas?
Toucci: Hoje, a grande maioria das cidades é muito cara em todos os níveis porque as pessoas vivem na pobreza. Vejamos as questões ambientais, por exemplo. A forma como as cidades foram construídas tem um efeito negativo impressionante na saúde pública e a saúde é uma das áreas que mais geram despesas para a sociedade. E muito tem sido gasto para tornar as cidades excessivamente adaptadas aos carros, que poluem o ar. Não é curioso pensar como a política atual investe naquilo que produz despesas e não benefícios?
Valor: O conceito de cidades para crianças, então, não consiste apenas em construir um parque em vez de um edifício ou centro comercial…
Toucci: Exatamente. O que estamos dizendo é que parques meramente infantis são um erro de uma cidade que, não mais adequada para crianças, produz espaços artificiais para acomodar crianças. É típico das cidades modernas hoje separar o público por faixas etárias. Eles fazem isso conosco, os idosos, também. Mas isso é feito para conveniência dos jovens, especialmente dos homens. Essencialmente, as cidades desenvolveram-se como espaços para trabalhadores.
Valor: É comum vermos cada vez mais espaços e serviços, públicos e privados, dirigidos às crianças. Isso não é bom?
Toucci: Sim, hoje temos maravilhosos serviços infantis, incluindo locais e escolas onde passam seis, oito ou até mais horas por dia. Mas será que isto corresponde aos desejos e necessidades da criança? Tenho certeza que não. Claro que é importante que as crianças tenham locais para passar tempo com outras crianças, principalmente porque os pais hoje estão cansados e não têm tempo, mas também não é bom se eles passarem o dia inteiro interagindo apenas em ambientes infantis.
Valor: Além da falta de tempo por parte dos pais ou responsáveis, em países como o Brasil convivemos com problemas de segurança. O conceito de cidades para crianças não se torna inviável em cidades inseguras, o que é comum fora dos países desenvolvidos?
Toucci: É um tema importante, mas temos que avaliá-lo cientificamente. Nas gerações anteriores, em todos os países, as crianças brincavam quase livremente nas ruas. O ponto que devemos analisar é se uma determinada cidade hoje é realmente menos segura do que era há décadas. Confirmar se o número de crimes e acidentes realmente aumentou. Obviamente, isso requer uma análise individual. Mas o que quero dizer aqui é que, na maioria das vezes, o medo se baseia na percepção e não na ciência. O que peço às cidades que fazem parte da nossa rede é que investiguem esses dados.
Valor: Ok, mas o fato é que a violência contra crianças também acontece nas ruas, mesmo que sejam casos estatisticamente mais isolados. Como devem agir os tutores e os governos quando têm consciência de que este tipo de crime já aconteceu e pode voltar a acontecer?
Toucci: Esse é o grande ponto. Até há 40 anos, as crianças voltavam da escola e passavam as tardes brincando entre si nas ruas porque os vizinhos e os empresários se conheciam, conheciam as crianças do bairro e se ajudavam. Alguns se entreolharam. Uma das nossas propostas, por exemplo, é que as crianças comecem a frequentar a escola sozinhas a partir dos seis ou sete anos. Sozinho ou com amigos. Estudos internacionais nos EUA e na Dinamarca mostram que as crianças que chegam à escola a pé desenvolvem um nível de atenção superior às outras que vão de carro com os pais. Portanto, podemos dizer que a autonomia das crianças faz bem para a escola e para as suas vidas.
Valor: Ainda considerando a questão da insegurança, os técnicos da sua rede não encontram diferenças quando conversam com prefeitos de países desenvolvidos e de países emergentes, onde os índices de violência urbana são mais elevados?
Toucci: Encontramos prefeitos que entendem o valor das nossas propostas em países como França, Itália e Espanha, bem como na Argentina e no Brasil. Um exemplo que gosto de citar é o de Hermes Binner, que foi prefeito da cidade argentina de Rosário [de 1995 a 2003] e posteriormente governador da província de Santa Fé [de 2007 a 2011]. Ele faleceu recentemente, mas me contou que aprendeu a fazer políticas públicas com o nosso projeto porque se trata de fazer algo que promova mudanças transversais. Rosário foi e ainda é uma cidade com alto índice de periculosidade social, mas absorveu nossas ideias.
Valor: Os prefeitos dos países emergentes não têm mais medo de encorajar as crianças a vagar pelas ruas desacompanhadas do que os dos países desenvolvidos?
Toucci: Entendo que o tema que você está levantando ainda é a questão do medo. É um efeito transversal que os meios de comunicação social têm na opinião pública e que vai além das diferentes características dos países e das cidades. O que quero dizer com isto é que temos o mesmo medo de deixar uma criança sair sozinha pelas ruas de uma cidade europeia ou latino-americana. Ou mesmo numa cidade de 5 mil habitantes e uma entre milhões de habitantes. Parece impossível que as sensações sejam iguais, mas isso acontece justamente porque é uma resposta não à realidade, mas a uma cultura que foi criada, a cultura do medo. A atração perversa que muitos meios de comunicação e grande parte da sociedade têm pelas notícias de tragédias ajuda a incentivar isso. Hoje em dia, o que digo aos nossos prefeitos da rede é que temos que convencer os habitantes de que as nossas cidades não merecem esse descuido, esse medo. Estas são boas cidades que podem melhorar e temos de melhorá-las para o benefício das crianças, o que significa benefícios para todos.
Valor: E o que a rede propõe para que as crianças possam ir sozinhas à escola, por exemplo, sem que os pais enlouqueçam de preocupação, seja por violência ou acidente de trânsito?
Toucci: A questão é um pouco explicar aos pais que é normal ter um pouco de medo, mas que é preciso temer outros riscos que hoje estão ainda mais próximos das crianças do que andar na rua. Um deles é o celular, por exemplo, onde as crianças ficam mais vulneráveis do que na rua onde ninguém está olhando. Sem falar nos problemas de saúde que poderão ter no futuro devido ao sedentarismo. Mas enfatizo que criar uma cidade segura para as crianças irem a pé para a escola envolve, entre outras coisas, criar uma cultura entre os moradores e comerciantes que lhes dê atenção, incentivando o cuidado geral. Essa atenção dos residentes tende a ser mais eficaz do que o policiamento aberto ou as câmeras. Câmeras são bem-vindas, mas são úteis após o incidente para descobrir o que aconteceu. Para evitar incidentes envolvendo crianças, o melhor é promover um ambiente favorável a elas. Em relação ao trânsito, veja, a cidade de Pontevedra, na Espanha, assumiu o compromisso para que não morressem mais habitantes em acidentes de trânsito e eles conseguiram. Já se passaram mais de 13 anos sem nenhuma vítima de acidente de trânsito e isso não aconteceu por acaso. Um prefeito [Miguel Anxo Fernandez Lores, no cargo desde 1999] Ele assumiu isso como seu compromisso e já foi reeleito sete vezes com a aprovação da população. Ele tornou a cidade mais difícil para os carros e facilitou a circulação para quem caminha, inclusive incentivando os cidadãos a seguirem as orientações da Organização Mundial da Saúde [OMS] dar pelo menos 10.000 passos por dia. Mas esta parte do desenvolvimento da autonomia das crianças é a que achamos mais difícil de realizar.
Valor: Já existe uma cidade no mundo que hoje possa ser fielmente classificada como Cidade das Crianças?
Toucci: Não. Nenhuma cidade no mundo pode dizer que já é uma Cidade das Crianças. Mas há vários que já estão a caminho. Como o conceito envolve ser uma cidade democrática no sentido de que é pensada para todos os que a habitam, não podemos dizer que já temos uma referência completa.
Valor: E por que colocar a criança como referência do conceito, e não outros públicos, como mulheres, idosos ou pessoas com deficiência física?
Toucci: Porque as mudanças que queremos que beneficiem as crianças já vão querer beneficiar todos os outros públicos. Além disso, precisamos de considerar que todos os países ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. É um direito internacional de alto nível jurídico e determina que os interesses da criança sejam superiores. Mas isto nunca é levado em conta e precisamos de começar a respeitar a convenção.
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