Perseguido pela ditadura militar, após 11 anos morando no exterior, Eliezer Batista foi “convocado” em 1979 pelo presidente João Figueiredo para assumir uma missão: tirar Carajás do papel. Descobertas em 1967, as jazidas de minério de ferro impressionavam pela quantidade e qualidade. O levantamento geológico, concluído cinco anos depois, apontou reservas de 18 bilhões de toneladas com nota média de 66% — bem acima do projeto liderado por Eliezer Batista que estava desacreditado e teve problemas de financiamento. Hoje, ele é conhecido por ter transformado a mineradora em uma das maiores do mundo, com 62% de vendas no mercado internacional. A dificuldade estava em criar uma logística desde o meio da Floresta Amazônica, no Sudeste do Pará, até um porto, possibilitando a venda de minério de ferro para as siderúrgicas do mundo.
“A OK tinha pilares fortes e paredes sólidas. Ainda faltava o cofre”, lembrou o ex-presidente da Vale em depoimento para o livro “Conversas com Eliezer”. Carajás seria o salto definitivo para a empresa conquistar seu lugar entre as maiores mineradoras do mundo.
Construir o cofre, porém, não foi fácil. Novamente, surgiram resistências internas e externas ao longo do caminho. “Ninguém acreditou nisso. Os críticos disseram que era um projeto megalomaníaco, que eu deveria ir para uma instituição mental”, disse ele. Ainda havia, segundo Eliezer, outro obstáculo. A chamada “maldição da Amazônia”, que fez as pessoas descrerem nos projetos da região após os fracassos da Fordlândia, do empresário norte-americano Henry Ford, na primeira metade do século 20, e da Rodovia Transamazônica, no início da década a partir de 1970.
O governo Figueiredo sofreu com os problemas causados pelo fim do “milagre econômico”. O governo foi marcado pela grave crise que assolou o Brasil e o mundo, com as altas taxas de juros internacionais, o segundo choque do petróleo em 1979, a disparada da inflação e a crescente dívida externa do Brasil, rompendo, pela primeira vez, os EUA Marca de US$ 100 bilhões. O projeto foi aprovado, mas o governo não teria recursos para financiá-lo.
“’Presidente, preciso de alguma orientação. Como vamos financiar Carajás?’. Traduzindo para linguagem militar, a sua resposta foi mais ou menos a seguinte: ‘Não há orientação. Esse é o seu problema!’”, revelou Eliezer em seu livro de depoimentos. Novamente a solução foi buscar financiamento externo, mas o país ficou desacreditado no mercado internacional. Eliezer bateu à porta do presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, secretário de Defesa dos Estados Unidos no governo de John Kennedy. A primeira reunião durou menos de cinco minutos. Através de um amigo em comum, ele conseguiu um segundo encontro e a conversa fluiu. No terceiro, saiu com o projeto financiado por um conjunto de instituições financeiras, liderado pelo Banco Mundial.
O investimento previsto para Carajás foi de US$ 4,2 bilhões. A execução das obras — instalação da mina, construção de uma ferrovia de quase 900 quilómetros, bem como de um porto — não ultrapassou o orçamento. Pelo contrário. “Terminamos quase dois anos antes do previsto e com mais de US$ 1 bilhão a menos do que o previsto no orçamento original”, lembrou Eliezer em 2002. Às 11h50 do dia 28 de fevereiro de 1985, um trem de 160 vagões, carregado com 14 mil toneladas de minério de ferro e manganês chegaram ao Terminal de Ponta da Madeira, em São Luís (MA), marcando oficialmente o início das operações de Carajás.
Mulher pioneira na criação de uma base sustentável na Amazônia
Eliezer Batista confiou a Maria de Lourdes Davies de Freitas a missão de fundar uma cidade e reservas florestais
No contrato com OK, o Banco Mundial condicionou a liberação de recursos a ações que garantissem os direitos dos povos indígenas da região, à construção de planos de zoneamento econômico-ecológico, a estudos e experimentos científicos sobre manejo florestal e inventários de fauna e flora. A Floresta Amazônica no sudeste do Pará era considerada uma região de difícil integração, quase impenetrável. A ocupação da área foi, portanto, fundamental para o sucesso do projeto.
Para coordenar as ações, Eliezer procurou a arquiteta e urbanista Maria de Lourdes Davies de Freitas, falecida em junho deste ano e, na época, trabalhava em assuntos relacionados a estudos de viabilidade técnica e implantação de projetos. Lurdinha tornou-se a primeira Superintendente Ambiental da OK, em 1980. Ela também foi responsável por chefiar o departamento que criaria uma cidade com toda a infraestrutura capaz de atender os trabalhadores de Carajás e suas famílias. Até então não havia Parauapebas.
“Não foi muito bem aceito pelo grupo de engenharia, porque, naquela época, final da década de 1970, não havia a preocupação com o meio ambiente que temos hoje. Mas Lurdinha enfrentou resistências internas e foi responsável por iniciar a implantação das chamadas reservas florestais do Mosaico Carajás”, diz o geólogo Breno Augusto dos Santos. O contrato com o Banco Mundial previa apenas a criação de reservas indígenas, mas Eliezer foi além.
Para cumprir a tarefa, Lurdinha criou um grupo de notáveis, que foram responsáveis, durante a década de 1980, pela elaboração e implementação da política ambiental da Vale. “Queríamos conhecer os ecossistemas da região e fazer um trabalho que respeitasse a comunidade. Não fazíamos nada se não houvesse um acordo comum com o grupo”, afirmou Eliezer em 2002. “E houve muitos pontos polêmicos. Tivemos que mudar várias vezes a localização da mina porque representava um perigo para o ecossistema local.”
Em 1991, o empresário suíço Stephan Schmidheiny visitou Carajás. “Schmidheiny já vinha trabalhando, há algum tempo, na tese do que mais tarde seria chamado de desenvolvimento sustentável. Porém, até aquele momento, ele só tinha ideias dispersas. Carajás trouxe para ele conhecimento empírico”, revelou Eliezer em “Conversas com Eliezer”.
No ano seguinte, após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio-92, Schmidheiny publicou o relatório “Mudando o Curso”, no qual defendeu os princípios empresariais para o desenvolvimento sustentável. O documento representou a carta fundadora do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD). Em 1997, um grupo de empresários liderados, entre outros, por Eliezer criou o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), a versão brasileira do WBCSD.
“Esse binômio produção e preservação é algo que poucos países conseguem falar. E a operação Carajás mostra isso com muita clareza”, afirma Marina Grossi, presidente do Cebds. Marina lembra de uma história contada pelo empresário Israel Klabin. “Israel veio até Eliezer e disse: ‘Acredito que a ciência é o grande motor do desenvolvimento social e ambiental do país’. E Eliezer, por sua vez, respondeu que as empresas seriam esse grande motor. Vinte anos depois, os dois se conheceram e disseram um ao outro: ‘Você tinha razão’”.
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