Noventa e dois por cento. Essa é a dimensão da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) que o Brasil deve se esforçar para alcançar para permanecer na vanguarda global da agenda de descarbonização. O número vem de um cálculo complexo feito por um grupo de organizações que fazem parte da rede Observatório do Clima, que utilizou tecnologias de projeção de emissões. Também foram realizados diversos debates e discussões para chegar a propostas viáveis e escaláveis de mudanças em diversos setores da economia, especialmente na indústria e no agronegócio.
O grupo divulgou nesta segunda-feira (26) um relatório detalhando as propostas, que servirá como sugestão para o Brasil adotar em sua 2ª Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC)a ser apresentado pelo governo brasileiro em breve no âmbito do Acordo de Paris (2030-2035).
“O Brasil se compromete a limitar suas emissões líquidas de gases de efeito estufa a 200 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalentes em 2035, considerando o carbono em solos agrícolas e sem considerar as remoções por áreas protegidas. Trata-se de uma redução de 92% em relação aos níveis de emissões líquidas de 2005, estimadas em 2.440 milhões de toneladas pelo SEEG-Observatório do Clima.”, destaca o relatório.
O esforço está alinhado com as estimativas da justa contribuição do Brasil para evitar um aquecimento do planeta superior a 1,5ºC neste século. “Queremos fazer uma entrega compatível com o que é necessário para travar o aumento das alterações climáticas. É uma forma de pressionar publicamente para que o que seja certo seja adotado”, comenta Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
O desafio é triplo: obter financiamento para mitigação e adaptação de empresas e cidades; alcançar a desflorestação zero até 2035 com o apoio do agronegócio para regenerar solos degradados; e fazer tudo isto sem esquecer que uma parte da população é mais vulnerável aos efeitos do aquecimento global e não tem capacidade para se proteger.
“As metas propostas para as NDCs exigem pactos políticos difíceis no atual cenário de políticas públicas”, comenta Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. Ele cita como exemplo que menos de 2% do volume de recursos do Plano Safra é aplicado em projetos de resiliência climática.
O Brasil, segundo os porta-vozes das organizações, já vem atuando ativamente em diversas frentes, inclusive no combate ao desmatamento, o que tem repercutido positivamente no cumprimento das NDCs já em andamento. No entanto, para contribuir eficazmente para travar o aquecimento global próximo da meta do acordo global de Paris, de 1,5 ºC, é necessário fazer mais.
Angelo reforça que os números propostos no documento visam elevar o nível de ambição do Brasil e “pressioná-lo para que faça as escolhas certas”.
Para “elevar o nível”, por exemplo, a retirada de carbono de terras já protegidas foi excluída do cálculo da meta, e foi considerado qualquer tipo de desmatamento, inclusive o desmatamento legal, previsto em lei, para a meta de desmatamento zero até 2035 .
“Retiramos as áreas protegidas da conta porque, ao incluí-las, há um efeito contábil que considera o carbono capturado como remoção. Mas, na prática, não há alteração no fluxo de dióxido de carbono na atmosfera, comenta a investigadora do IPAM Bárbara Zimbres.
O agronegócio é um setor chave no problema, seja porque há uma grande concentração de emissões de GEE provenientes do uso da terra e da pecuária, seja porque é aquele que pode virar a maré e posicionar o Brasil como líder na descarbonização global, com baixa emissão de produtos e remoção de carbono da atmosfera por meio da recuperação de áreas degradadas.
“Basicamente estamos propondo que o Código Florestal seja integralmente cumprido. Sabemos que no Brasil é difícil cumprir 100% a lei, mas se conseguirmos, avançaremos”, comenta.
Entre as propostas está a eliminação do desmatamento em todos os biomas até 2030, com o aumento da regeneração e recuperação de áreas degradadas em 21 milhões de hectares até 2035, o que representa toda a responsabilidade do Código Florestal.
Além disso, o Brasil precisará recuperar 22,5 milhões de hectares de solo com sinais de degradação de pastagens, expansão adicional de 18 milhões de hectares de sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF); e implementação adicional de mais 1 milhão de hectares de Sistemas Agroflorestais (SAF).
Com estas e outras iniciativas, a previsão é atingir emissões líquidas de até 65 MtCO2e em 2035 na área de Mudança do Uso da Terra e Florestas e de até 220 MtCO₂e em 2035 na agricultura. Uma parte importante do trabalho no terreno é mapear as emissões e capturas de carbono, que ainda hoje são muito pequenas.
“Tudo o que propomos mudar para o setor agrícola não é novidade. Queremos incentivar todas as tecnologias a chegarem ao campo”, comenta Renata Potenza, especialista em Políticas Climáticas e Metodologias Agrícolas de Carbono do Imaflora.
Ela menciona que os planos de financiamento agrícola já existentes, como o Plano ABC+, o Plano Safra e o Renova Agro podem contribuir para que o país atinja essas metas, ao trazer linhas de financiamento específicas para práticas sustentáveis e exigir parâmetros alinhados às NDCs.
“Também precisamos de sistemas mais eficazes de monitoramento e alinhamento do desmatamento [com práticas sustentáveis] e promover a agricultura familiar, proporcionando, por exemplo, capacitação e assistência técnica aos produtores”, afirma. Para Potenza, além do governo, o setor privado também precisa aderir à ideia.
Um dos maiores desafios da pecuária é a emissão de metano, gás de efeito estufa com poder poluente muito maior que o carbono. É emitido pelo boi no processo de digestão. Para isso, o especialista detalha que uma das soluções já testadas é o abate prematuro de animais para consumo.
As emissões brasileiras em 2035 serão compostas por, no máximo:
Mudança no uso da terra e florestas | 65 MtCO2e |
Agricultura | 780 MtCO2e |
Energia | 250 MtCO2e |
Processos Industriais e Uso de Produtos | 100 MtCO2e |
Desperdício | 70 MtCO2e |
As remoções de gases com efeito de estufa em 2035 consistirão, no mínimo:
Vegetação nativa | -505 MtCO2e |
Carbono em solos agrícolas | -560 MtCO2e |
Para o período entre 1º de janeiro de 2031 e 31 de dezembro de 2035, é definido um orçamento de gases de efeito estufa para o Brasil, expresso em toneladas de CO2 equivalente, com base em uma trajetória de reduções, considerando emissões líquidas de até 400 MtCO2e em 2030. Este orçamento para o período de cinco anos será decrescente, com um limite de até 1.700 MtCO2e entre 2031 e 2035.
Embora o Brasil esteja muitos passos à frente de outros países devido à sua elevada fonte de energia renovável, há mudanças que precisam ser perseguidas, como o aumento da capacidade de geração via sistemas eólico e solar, a “aposentadoria” do carvão mineral até 2027 e uma 42 % de redução no consumo de combustíveis fósseis até 2035, com base em 2022.
As reservas de petróleo atualmente comprovadas (mais de 15 bilhões de barris) no Brasil podem, mantendo esse ritmo de transição energética, atender às necessidades decrescentes do país após 2040, segundo o relatório.
“Na geração de energia elétrica, para atingir as metas, não haverá mais aumento de energia proveniente de hidrelétricas. O plano prevê a instalação de usinas eólicas e solares que alcancem 70 Gigawatts (GW) e 95 GW, respectivamente”, comenta Felipe Barcellos e Silva, líder de projetos de transição energética do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). Para ele, as usinas de biomassa devem continuar crescendo e tomar o lugar do carvão na composição das fontes, pensando na segurança energética.
Para o carvão mineral, a queda no consumo deverá ser de 80% até 2035. Para os derivados de petróleo, 38%; e para o gás natural, 42%. Todas fontes de energia ainda importantes para o setor industrial, que, por sua vez, deve buscar novas alternativas.
Silva comenta ainda que o plano de redução de emissões prevê também a utilização do bagaço de cana, do biometano e do hidrogênio verde como alternativas aos combustíveis fósseis na indústria. Nos transportes, além dos meios de comunicação de massa, também está prevista a utilização de veículos flex 100% movidos a etanol e de carros elétricos.
A universalização do saneamento básico, zero aterros, incentivo à economia circular e a meta de aumentar a taxa de reciclagem em 24% também são outras frentes detalhadas do plano.
Adaptando-se a um novo clima
As pessoas são um elo importante nas metas climáticas, especialmente nas diretrizes que visam a adaptação a um novo cenário climático e suas consequências. “O Brasil nem monitora o que está investindo em adaptação, ou seja, não sabemos o que está sendo usado nas mudanças climáticas. Adaptar-se custa caro, mas, infelizmente, como mitigamos menos do que deveríamos, isso nos levará a gastar mais em adaptação”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Entre as propostas apresentadas no documento, ela destaca o Fundo Nacional de Adaptação, que, com recursos não reembolsáveis, poderá ser acessado pelos municípios mais vulneráveis quando ocorrerem eventos climáticos extremos. Vários sistemas de alerta precoce de riscos e plataformas que concentram dados podem ajudar no desenvolvimento de políticas públicas e planos de ação.
Mas tudo isto, diz Araújo, precisa envolver as pessoas mais vulneráveis. “Procuramos adaptar as cidades para que se comuniquem com a natureza, mas respeitem os direitos das populações que estão em áreas vulneráveis, em áreas de risco.
Reduzir as áreas de risco faz parte do plano. “Mais de 35% dos municípios brasileiros estão em locais de alto risco e baixa capacidade de resiliência [aos efeitos das mudanças climáticas]. Tem que haver adaptação muito rapidamente, tendo em conta que a gravidade da crise climática já chegou, afirma o coordenador.
A forma de conseguir dinheiro para pagar a conta de mitigação e adaptação também foi um tema discutido na apresentação aos jornalistas da proposta e que está detalhado no texto final apresentado ao governo brasileiro.
Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF no Brasil, explica que, além do Fundo Nacional de Adaptação, também serão necessárias linhas de crédito e mecanismos de financiamento para as mulheres, que são mais vulneráveis à emergência climática. “Também precisamos ampliar os instrumentos financeiros para a agricultura familiar e a pecuária sustentável”, afirma.
Acrescenta que, ao longo dos próximos 12 meses, o grupo irá preparar um Plano Financeiro de Implementação da NDC, para ajudar a implementar os objetivos. “Nele teremos uma análise de custos e benefícios, fontes de financiamento, cronograma de implementação e mecanismos de monitoramento”, comenta Prado.
Questionado pela Practice ESG sobre como o país pode atrair capital externo para mitigação e adaptação climática, o executivo do WWF afirma que o hedge cambial apresentado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Governo Federal no âmbito do Eco Invest Brasil programa, que visa reduzir o risco cambial de trazer dinheiro para cá é uma das soluções propostas.
Outros são a criação do fundo Florestas Tropicais para sempre, proposta apresentada pelo Brasil na COP28, em Dubai, em 2023, que visa trazer novos recursos para a conservação florestal, e a redução de subsídios ao setor de petróleo e gás em nível nacional. e internacional, para direcionar recursos para a agenda climática.
Prioridades de Adaptação Climática
- Priorizar as populações mais vulneráveis;
- Incluir um processo de consulta com as comunidades em risco de alterações climáticas e a sociedade civil;
- Incorporar uma abordagem baseada nos ecossistemas e soluções baseadas na natureza, especialmente ações baseadas nos oceanos, para se adaptar a eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, bem como a eventos graduais, como a subida do nível do mar e a desertificação;
- Incorporar medidas de adaptação para aumentar a resiliência da biodiversidade terrestre, costeira e marinha sob risco climático;
- Alcançar a produção agrícola e alimentar e o abastecimento e distribuição de alimentos resistentes ao clima, bem como aumentar a produção sustentável e regenerativa e o acesso equitativo à alimentação e nutrição adequadas para todos;
- Aumentar a resiliência das infra-estruturas e dos assentamentos humanos aos impactos das alterações climáticas.
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