Médicos de família e comunidade são quase uma raridade no Brasil. Das 27 unidades da Federação, 12 registram coeficiente inferior a um profissional para cada cem mil habitantes. As informações estão contidas no Painel de Educação Médicaplataforma de dados desenvolvida pela Associação de Educadores Superiores Independentes (AMIES) em parceria com o portal Melhores escolas médicas.
Segundo o levantamento, o Brasil conta com 2,9 mil médicos de família e comunidade. O número representa apenas 0,35% do total de profissionais especializados nas mais diversas áreas – e pode ser ainda menor, já que o estudo não faz distinção entre médicos que possuem mais de uma formação. Os estados mais carentes estão nas regiões Norte e Nordeste. O Pará lidera o ranking, com 0,23 médicos para cada cem mil habitantes, seguido por Tocantins (0,26); Ceará (0,35); Pernambuco (0,36); Maranhão (0,37); Paraíba (0,38); Alagoas (0,38); Piauí (0,52); Sergipe (0,68); Rio Grande do Norte (0,73); Bahia (0,84) e Rondônia (0,95).
“Na verdade há menos médicos no Norte e no Nordeste. De acordo com dados de Demografia Médica no Brasila taxa de médicos por mil habitantes no Sudeste é de 3,39; no Centro-Oeste, 3,10; e no Sul, 2,95. No Nordeste é 1,93 e, no Norte, 1,45”, afirma a analista de Relações Institucionais do Instituto de Estudos de Políticas de Saúde (IEPS), Julia Pereira.
Ela destaca que a desigualdade não ocorre apenas entre regiões. “As capitais concentram 60% desses profissionais, o que significa que o índice de médicos é de 6,13. No interior, esta taxa cai para 1,84. Um ponto importante é que, nas regiões metropolitanas, a taxa é ainda menor, de 1,14 médicos por habitante, menos ainda que nas cidades do interior. Esta desigualdade também se reflete na Medicina de Família. No Rio Grande do Sul, a densidade de médicos de família varia de 8,7 a 12,3 por 100 mil habitantes, enquanto no Amapá e no Maranhão é inferior a 1,9”.
Segundo a Demografia Médica, em janeiro de 2023, o Brasil contava com 438.239 médicos especializados. Destes, apenas 10.041 (1,78%) em Medicina de Família e Comunidade. “Atualmente, existem 54.909 equipes de Saúde da Família no Brasil. Ou seja, o baixo número de especialistas em Medicina Familiar pode constituir um obstáculo à implementação da política de cuidados primários no país. No entanto, esse número vem aumentando, ainda que gradativamente. Em 2012 eram apenas 3.263 especialistas”, pondera Júlia.
O médico de família e comunidade é o profissional competente para lidar com os problemas relacionados com o processo saúde-doença de forma integral, contínua e com abordagem de risco, ao nível individual e familiar do paciente. Além dos sintomas, seu trabalho leva em consideração questões como estilo de vida, condições de trabalho e moradia, hábitos e emoções de cada pessoa.
Para o Organização Mundial de Médicos de Família (Organização Mundial de Médicos de Família – Wonca), a ausência desse profissional produz desorganização nos serviços de saúde, aumento de custos, iniquidade, falta de acessibilidade e redução de cobertura para grande parcela da população. Segundo a organização global sem fins lucrativos, a Medicina de Família e Comunidade responde às necessidades de cuidados em pelo menos 90% dos casos e potencia a utilização de recursos com elevado sentido humano.
O Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) tem exigido a obrigatoriedade da especialidade nos concursos públicos para preenchimento de vagas de médico nas equipes da Estratégia Saúde da Família. A entidade já emitiu solicitações para municípios dos estados de Alagoas, Bahia, Pará, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apenas a Prefeitura de Camaçari-BA retificou o aviso. UEMA e TSE negaram o pedido.
“Para que a APS (Atenção Primária à Saúde) cumpra os objetivos de resolução de 90% dos problemas de saúde nas unidades básicas, é fundamental que os gestores locais contratem profissionais especializados para atuarem ali. Isso traz mais qualidade no atendimento à população e menos ônus ao sistema de saúde. Esse é o dinheiro público mais bem gasto, faz bem para todos”, argumenta o presidente da SBMFC, Fabiano Guimarães.
Por outro lado, o Painel de Educação Médica revela que poucos profissionais buscaram residência em Medicina de Família e Comunidade. Das 6,3 mil vagas autorizadas, 3,3 mil estão vagas, o equivalente a 53,4%. Além disso, muitos empregos não são preenchidos, especialmente no interior do Brasil. Segundo estudo divulgado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) em 2023, uma em cada três cidades não possui profissionais suficientes para atender a população. Em 55% desses municípios, os gestores veem risco de incapacitação das equipes da atenção básica devido à ausência de médicos por mais de 90 dias. Os principais entraves à contratação são a exigência do cumprimento da carga horária de 40 horas semanais (47,5%) e o salário oferecido (39,1%).
Em julho passado, o Ministério da Saúde anunciou a oferta de 2.500 vagas por anoem Programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade, além de complemento de R$ 4 mil para residentes, o que praticamente dobra o valor da bolsa.
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