Consultoras e bancos tentam estimar a influência das plataformas de apostas e jogos online nos gastos do consumidor As apostas disputam espaço no bolso dos brasileiros Editoria de Arte Os jogos virtuais de apostas esportivas entraram de vez no orçamento dos brasileiros. O fenômeno abre um debate sobre o quanto o “efeito apostas” pode afetar o consumo das famílias e, consequentemente, de outros setores da economia. O Itaú estima que os brasileiros movimentaram R$ 68 bilhões em jogos virtuais – incluindo apostas e do tipo “Tigrinho” – nos 12 meses até junho. Os varejistas manifestaram essa preocupação, e consultorias, institutos de pesquisa e bancos tentam estimar a influência das plataformas de apostas e jogos online nos gastos dos brasileiros em outras atividades, desde supermercados até lazer. Na semana passada, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, em evento no Rio, comentou que alguns desses estudos sugerem que o aumento da renda observado recentemente no mercado de trabalho não se traduziu em um aumento correspondente no consumo e renda. poupança familiar. Alguns podem estar “vazando” nas apostas, disse ele. O ano tem sido de ampliação do contingente de brasileiros fãs de apostas online, cujo regulamento entra em vigor em 2025. Pesquisa recente do Instituto Locomotiva indica que 52 milhões já apostaram no esporte pelo menos uma vez. Há seis meses, eram 38 milhões. — As apostas começaram com quem tem mais conhecimento de futebol e cresceram no dia a dia dos consumidores. Ele se afastou do perfil “boleiro” e se envolveu mais com a sociedade em geral — diz Renato Meirelles, presidente da Locomotiva. O mercado de apostas esportivas deve movimentar até R$ 130 bilhões no Brasil este ano, calcula a Strategy&, consultoria estratégica da PwC. No ano passado, o estudo estima que o valor ficou entre R$ 67,1 bilhões e R$ 97,6 bilhões, o que equivale a até 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB). O efeito no orçamento pessoal é visto como mais significativo para as classes D e E, que têm flexibilidade financeira mais limitada para novas despesas. Os analistas da PwC estimam que as apostas já representem 1,38% do orçamento familiar médio nas camadas sociais de menor rendimento do país. O índice é cinco vezes maior que cinco anos antes: 0,27%. O cálculo leva em consideração dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE. — Há uma participação cada vez maior das apostas esportivas no orçamento das famílias brasileiras, o que afeta a renda final do consumidor. Para as classes populares, algumas despesas já foram repostas — diz Luciana Medeiros, sócia da PwC e uma das responsáveis pela pesquisa. O estudo da PwC projeta que os gastos brasileiros com apostas esportivas (em todas as classes sociais) totalizaram entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões em 2023. É mais de 40 vezes o que se gasta com ingressos de futebol e 12 vezes o que se consome no cinema. Na mira do varejo O aumento do engajamento dos brasileiros nas apostas acompanhou a explosão das plataformas de apostas no país desde 2018, quando a atividade foi legalizada, no governo de Michel Temer. Em 2020, segundo a PwC, existiam 51 marcas de apostas desportivas. No primeiro trimestre de 2023, esse número saltou para 308, um crescimento de 500%. Faltam dados precisos sobre o total de plataformas acessadas pelos brasileiros, incluindo outros tipos de jogos online que envolvem prêmios. O número pode chegar a 1.200, dependendo da fonte. Embora as apostas esportivas e jogos como o “Tigrinho” tenham lógicas e funcionamento diferentes, as duas modalidades às vezes se cruzam. Nos sites de apostas mais populares, por exemplo, é comum existir um espaço dedicado à categoria “cassino”. Texto inicial do plugin Em outras economias emergentes, como Índia, México, África do Sul e Colômbia, o crescimento também está acelerado, observa Gerson Charchat, sócio da PwC. A migração de plataformas globais para estes mercados, com a desaceleração nos mercados mais consolidados, foi um dos motivos, assim como o aumento do tempo dedicado pelas pessoas às ferramentas digitais com a popularização dos smartphones. O aumento do consumo brasileiro de jogos virtuais começou a acender a luz amarela no setor varejista no ano passado. Com um conjunto de indicadores macroeconômicos mais positivos, como queda do desemprego e aumento de salários, além da inflação contida, as apostas apareceram como uma das explicações para o desempenho de vendas abaixo do esperado. — O que se esperava é que, com os atuais níveis de emprego e renda, haja efeito em mais vendas no varejo e resultados não tão concentrados em segmentos mais voltados ao consumo básico — afirma Ruben Couto, analista de varejo do Santander. Ele é um dos autores do relatório do banco que apontou as apostas como um dos fatores que impulsionam o consumo brasileiro. A análise aponta que as atividades de jogos (online e tradicionais) atingiram 2,7% da renda das famílias brasileiras, acima dos 0,8% de 2018. O aumento contrasta com a queda, no mesmo período, da participação no orçamento para gastos com vestuário, calçados, eletrônicos e móveis. O analista considera que as apostas não podem ser identificadas como o único fator que trava a retomada do varejo, mas afirma que o aumento dos gastos nas plataformas é um elemento significativo. Para ele, não se trata mais apenas de “Renner competir com C&A ou Shein”, mas também com apostas. Nas apresentações internas, as empresas varejistas já apresentam apostas como concorrentes assim como os sites de compras internacionais. A estimativa que circula entre os executivos do setor é que o “efeito apostas” represente hoje um desconto de 5% na receita do varejo. Impacto não é consenso O primeiro a falar publicamente foi o presidente do Assaí, Belmiro Gomes, em divulgação de resultados para investidores e em entrevista ao GLOBO no início do mês. O líder da rede cash and carry disse que as apostas e os jogos do tipo casino causam “danos” aos bolsos da população de baixos rendimentos, impedindo o regresso aos níveis de consumo pré-pandemia. Há dez dias, a varejista de calçados e roupas SideWalk entrou com pedido de recuperação judicial e apontou as apostas como um dos motivos das dificuldades de vendas, informou o Valor. Um estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) com a AGP Pesquisas apontou que 63% dos que fazem apostas online no país tiveram sua renda comprometida de alguma forma pela prática. Quase um quarto deles afirma ter parado de comprar roupas e 19% reduziu os gastos no supermercado. — É um debate muito mais profundo — pondera Eduardo Terra, presidente da SBVC. — Há uma discussão sobre a proposta de valor, sobre para onde está indo a renda das pessoas. A relação entre apostas online e restrições ao consumo não é consenso. Analistas do Itaú afirmaram em relatório na semana passada que “não apoiam essa hipótese” e que as vendas no varejo “têm apresentado resultados conforme o esperado”. Com dados do balanço de pagamentos do Banco Central, o Itaú estimou que os brasileiros movimentaram R$ 68 bilhões em jogos virtuais (incluindo apostas e do tipo “Tigrinho”) nos 12 meses até junho. O gasto líquido efetivamente gasto, descontado o que os apostadores ganharam, foi de R$ 23,9 bilhões, equivalente a 1,9% da massa salarial. Para a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), que representa empresas como BetNacional e GaleraBet, a pesquisa que indica migração de gastos para apostas “não tem base factual”. Regulação fornece ferramentas para segurança do usuário Em pesquisa da Hibou, empresa de pesquisa de mercado, com brasileiros que dizem apostar em apostas, mais da metade (56%) começou há um ano. A maioria aposta de R$ 10 a R$ 50 por giro. — Percebemos que a loteria é procurada pelos brasileiros por um grande prêmio. Nas apostas online, as pessoas buscam ganhos menores e mais rápidos — afirma Ligia Mello, sócia da consultoria. Para Roberto Kanter, economista e professor de MBA da FGV, o apelo emocional, que alia a paixão pelo esporte e a possibilidade de ganho financeiro, é um dos aspectos que tornam as apostas tão populares: — Há um aspecto subjetivo. Mesmo que uma pessoa não gaste R$ 200 de uma vez em uma aposta, há uma soma de pequenos valores que podem fazer a diferença. Então a decisão de parar de comprar algo para apostar nem sempre pode ser racional. A regulamentação imporá instrumentos ao setor para coibir o uso abusivo de apostas online e evitar o vício e o endividamento dos apostadores. A partir de janeiro de 2025, entram em vigor as normas aprovadas pelo Congresso, com regulamentação do Ministério da Fazenda. As plataformas terão que pagar pela licença para operar no Brasil e recolher impostos, mas também terão que cumprir salvaguardas para a segurança do usuário. Terão que seguir regras de publicidade e criar ferramentas para identificar e prevenir transtornos, como limites de valor por aposta e tempo de permanência na plataforma, como é o caso de países com mercados mais maduros, como o Reino Unido. Em nota, a ANJL afirma que casos de superendividamento e comprometimento de rendimentos “são muito raros” no mundo de milhões de jogadores. Mais lido
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