Em quase três anos e meio, o presidente da Câmara utilizou instrumentos regulatórios e também manobras que trazem novas características à administração da Casa. Presidente da Câmara, Arthur Lira Reuters/Adriano Machado O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ainda tem oito meses de mandato, mas sua gestão no comando da Casa — desde o início de 2021 — tem já deixou sua marca, na avaliação dos parlamentares. Antes mesmo de se tornar presidente, o alagoano era conhecido entre os colegas por ser um cumpridor de acordos. À frente dos outros 512 deputados, empoderou a Câmara em relação ao Executivo, principalmente com seu controle do Orçamento e das emendas parlamentares. Mas, nos últimos anos, a forma de gerir a Câmara — com o uso de instrumentos regimentais e também de certas manobras — acrescenta novas características ao modus operandi de Lira. Embora o nome de seu sucessor permaneça desconhecido até fevereiro de 2025, quando ocorrerá a eleição para a próxima Mesa Diretora, técnicos e parlamentares veem que o estilo “lírístico” também trouxe novas características ao andamento da Câmara. Entenda em cinco pontos: 1. Urgências aprovadas A gestão Lira tem se destacado pela votação acelerada de temas relevantes diretamente no plenário, sem passar por comissões. Para que isso seja possível, é necessária a aprovação de pedidos urgentes, que normalmente são apresentados pelos líderes. Embora os deputados precisem aprovar os pedidos, é prerrogativa do presidente orientar os assuntos. Propostas como o novo marco fiscal, que substituiu o teto de gastos e criou metas para equilibrar as contas públicas; a mini-reforma eleitoral, com novas regras sobre inelegibilidade e responsabilização partidária; e o Novo Ensino Médio, que reformula o currículo e a carga horária dos alunos, foram votados em caráter de urgência. Na semana passada, a aprovação urgente de dois projetos polêmicos causou tensão na Câmara: o que acelera a proposta que equipara a pena para aborto a partir de 22 semanas de gestação, inclusive em casos de estupro, à pena para homicídio; e pela proibição de prisioneiros de celebrarem um acordo judicial. Alguns deputados reclamam que as emergências esgotam o trabalho das comissões, já que assuntos importantes para o presidente da Casa vão direto ao plenário. Outros dizem que se tornou uma forma de fechar negócios, sem se comprometer com o mérito — assim como aconteceu com o grupo evangélico e o projeto legal antiaborto. Câmara aprova regime emergencial para projeto que equipara aborto após a 22ª semana de gestação a homicídio 2. Grupos de trabalho Os grupos de trabalho se tornaram outro modelo defendido pelo presidente da Câmara para tratar de discussões importantes, o que também desvia o foco das comissões permanentes. Sem previsão no regulamento e diferentemente das comissões, um grupo de trabalho não precisa respeitar a proporção de partidos na participação de seus membros — ou seja, partidos maiores não necessariamente terão mais representantes no grupo. O presidente da Câmara, por exemplo, poderá determinar que haja um representante por partido. Além disso, quem nomeia e destitui membros de um grupo de trabalho é o presidente da Câmara. Nas comissões, isso é feito pelo líder do partido ou bloco. A aprovação em grupo de trabalho também não tem efeito prático. Portanto, normalmente o relatório aprovado neste modelo é levado ao plenário, também após aprovação de pedido urgente. Entre as discussões que já passaram pelos grupos de trabalho estão a mini-reforma eleitoral e a reforma tributária. Também foram anunciados órgãos colegiados desse tipo para discutir a regulamentação das redes e novas regras para as prerrogativas parlamentares. 3. Votação remota Apesar de ser um legado da pandemia, o Sistema de Deliberação Remota foi flexibilizado de acordo com os interesses do presidente da Câmara e dos líderes partidários. O presidente da Câmara exige a presença dos deputados para viabilizar a votação de propostas que exijam mais votos para serem aprovadas, mas também dispensa a obrigatoriedade, levando em consideração os parlamentares que precisam ficar mais tempo em suas bases, o que acontece em períodos eleitorais, para exemplo. Em dias como segunda e sexta-feira, quando os parlamentares costumam estar em suas bases eleitorais, o registro de presença remoto facilita o alcance da presença mínima (quórum) para o início da votação. Por outro lado, ao exigir o cadastro biométrico presencial às segundas e sextas-feiras, Lira pode obrigar os colegas a virem a Brasília com antecedência e garantir que os pares estarão na cidade para discutir assuntos considerados prioritários até o final da semana. Lira flexibilizou em diversas ocasiões o ato que regulamenta o sistema de votação a distância desde que assumiu o comando da Câmara, entre elas: isentando o cadastramento presencial para ajudar na votação da PEC que permitiu a Bolsonaro criar um pacote social em período eleitoral; próximo ao período eleitoral de 2022, Lira começou a flexibilizar o ato para permitir a permanência dos deputados em suas bases; publicou uma nova lei para permitir o registro biométrico remoto, ajudando a garantir quórum para votação da reforma tributária. Durante as festas de São João deste ano, Lira liberou os deputados. 4. Agenda do dia Com uma gestão voltada para conversas com lideranças partidárias, deputados do chamado “baixo clero” — que não participam diretamente dessas negociações — reclamam da imprevisibilidade da agenda de votação da semana. Em geral, os projetos que serão colocados em votação são conhecidos na terça-feira da semana, quando Lira se reúne com os líderes. Ou seja, na maioria das vezes são feitos acordos para votações que serão realizadas no mesmo dia. Nas gestões passadas, era comum que houvesse previsibilidade do que seria votado na semana anterior —mesmo que a agenda pudesse eventualmente ser modificada. Até os líderes partidários reclamaram que não sabem o que será discutido. Na última quarta-feira (19), já era o fim do dia e pelo menos três líderes disseram não saber o que seria votado naquele dia. Diante da imprevisibilidade, um parlamentar disse, reservadamente: “Antigamente tínhamos a agenda da semana. Na gestão Lira, virou assunto do dia. Agora, é a agenda dos últimos 30 minutos.” 5. Medidas Provisórias Ainda sem acordo com o Senado sobre o procedimento de tramitação das medidas provisórias, o governo Lira praticamente bloqueou a votação dessas propostas. Apoiado pela maioria dos deputados, o presidente da Câmara não concorda com a retomada do rito constitucional, que foi alterado durante a pandemia, e que prevê a votação de medidas provisórias em comissão mista, com a participação de deputados e senadores, antes indo aos plenários. Segundo os deputados, nas comissões paritárias há um desequilíbrio na representação da Câmara em relação à do Senado, já que o número de membros é igual nas duas Casas, ainda que o Congresso seja composto por 513 deputados e 81 senadores . Os senadores, porém, se recusam a manter o modelo de votação de medidas provisórias diretamente no plenário. Uma das reclamações é que os deputados consomem boa parte dos 120 dias permitidos para tramitação das MPs, e o Senado acaba virando uma casa de “carimbagem”, sem poder alterar o texto. Com dificuldades na utilização do instrumento, o governo optou por encaminhar medidas provisórias juntamente com projetos de lei de mesmo conteúdo e urgência constitucional —o que, na prática, trava a agenda de votação em 45 dias e exige votação nas duas Casas.
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