Em 2018, a equipe do Instituto Garvan de Pesquisa Médica observou, pela primeira vez em células in vivoestruturas quádruplas de DNA, chamadas motivos i. Agora, em um estudo mais recente, o grupo começou a estudar a funcionalidade dessas estruturas dentro das células.
Qual é a primeira imagem que vem à mente quando você ouve ou lê sobre a estrutura do DNA? Uma dupla hélice de bases nitrogenadas perfeitamente alinhada é provavelmente a imagem que surge. No entanto, o DNA sempre guarda algumas surpresas.
Outras estruturas de moléculas de DNA podem existir devido à presença de patologias, entre outros fatores que podem contribuir para uma organização anômala das moléculas. Mas o estudo destas estruturas diferenciadas é bastante complexo.
Geralmente, Este tipo de estrutura não suporta vidaportanto, o estudo dessas estruturas contribuiu para a previsão de lesões, mas não necessariamente para a prospecção de potenciais alvos de ação ou de seus mecanismos de atuação, porém em 2018 algo mudou.
A dupla hélice é a forma usual de estruturar o DNA, porém pode apresentar outras conformações.Fonte: Imagens Getty
“Nós” de DNA
Os emaranhados de DNA ocorrem naturalmente durante os processos de divisão celular e na organização dos genes nos cromossomos. Porém, podem existir “nós” no meio desses emaranhados, em regiões ricas em citosina.
Em 2018, a equipe do Instituto Garvan observou pequenos nós na codificação das cadeias de DNA. Para tornar essa observação possível, eles usaram anticorpos programados para se ligarem especificamente a esse “nó” como método de isolamento.
Os motivos i são “nós” formados por uma quadruplicidade da cadeia de DNA, dentro do núcleo da célula.Fonte: Imagens Getty
Utilizando a imunofluorescência, entre outros métodos de descolamento de conjuntos de células humanas MCF7, U2OS e HeLa, eles conseguiram comprovar a existência desses emaranhados na dupla hélice, antes considerada apenas uma hipótese.
Entenda, esta não é uma nova junção na cadeia dupla, mas um “dobramento” em regiões ricas em citosina, que depende de certas condições no núcleo da célula.
De 0 a 50 mil!
Provar a existência de motivos i não era apenas uma questão de curiosidade genética. O estudo publicado em O Jornal Embo, em agosto de 2024, apresentou descrições de como esses emaranhados podem desempenhar um papel importante na regulação celular.
Ao digitalizar regiões de interesse, os pesquisadores conseguiram identificar mais de 50.000 desses “nós” em regiões cruciais do núcleo celular.
Os motivos i parecem depender do ciclo celular e das concentrações de pH do núcleo celular.Fonte: Imagens Getty
Eles identificaram que a maior quantidade de motivos i pode ser encontrada no pico da atividade celular e pode ser estável em pH neutro ou levemente ácido. Além disso, identificaram que a presença desses emaranhados pode estar ligada ao ciclo de regulação celular nos processos de transcrição durante a divisão.
A regulação celular é o processo de controle da célula. Quando uma transcrição está sendo realizada, alguns conjuntos de bases nitrogenadas podem ser “copiados” de forma anômala. O regulamento identifica essa diferença e emite sinais para que a fita transcrita seja descartada.
Não é de surpreender que os pesquisadores tenham descoberto uma grande quantidade de atividade do motivo i ligada ao processo das células tumorais. Seu mecanismo de ação ainda não está bem descrito, porém, entender como esses “nós” atuam será o próximo passo, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento de alvos contra o câncer.
Um alvo e uma chance
Os motivos i parecem atuar sobre um alvo de interesse, há muito desejado na área da oncologia e de difícil controle. A proteína C-MYK parece desempenhar um papel crucial no desenvolvimento do câncer em humanos.
No entanto, a regulação e “destruição” desta proteína tumoral é um trabalho árduo, pois desenvolveu vários mecanismos para contornar os sistemas naturais do nosso corpo, o que impediria não só a sua síntese, mas também a sua multiplicação.
As células tumorais tendem a se replicar mais rapidamente do que as células saudáveis.Fonte: Imagens Getty
Se de facto os motivos i puderem gerar alguma regulação sobre este tipo de proteína, poderão ser utilizados como meio alvo para bloquear ou prevenir a multiplicação efectiva das células cancerígenas, permitindo o desenvolvimento de uma nova tecnologia de combate ao cancro.
A curiosidade hipotética, que se tornou realidade em 2018, é hoje uma área fecunda para uma compreensão mais ampla de como funcionam as nossas células e como atuam na transcrição e síntese de genes e proteínas.
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