Pessoas trans que sobreviveram às inundações relatam assédio e abusos em abrigos: “era mais seguro estar fora do que dentro”. A população é mais vulnerável a eventos como a crise climática, dizem os especialistas. Transfobia ambiental, uma expressão nova, que ainda não está presente no vocabulário de grande parte da população. Termo que expõe uma questão urgente e muitas vezes negligenciada que advém do sofrimento do grupo de pessoas trans, ou, simplesmente, “pessoas trans”. Acesse o canal g1 RS no WhatsApp “A população trans enfrenta diversas dificuldades de acesso. Muitas pessoas sofrem violência desde muito cedo e acabam não concluindo os estudos, não conseguindo ingressar na universidade, e por conta disso muitas não conseguem nem conseguir um emprego na área. mercado de trabalho formal. Isso coloca as pessoas em uma posição extremamente vulnerável”, explica Gustavo Deon, artista, produtor cultural e homem trans. Mas como essa vulnerabilidade das pessoas trans está relacionada ao meio ambiente? Diego Candido, advogado especialista em Direito LGBT+ e coordenador jurídico da ONG Igualdade RS – Associação de Travestis e Transexuais do RS, esclarece: “A transfobia ambiental se baseia em estudos sobre o racismo ambiental que envolve a população negra, sugerindo que grupos sociais excluídos, como pessoas trans e travestis, são mais gravemente afetadas por acontecimentos como a crise climática”, explica. A enchente que devastou o Rio Grande do Sul em maio e deixou 179 vítimas ilustra claramente essa dinâmica. Hellen Faleiro, uma mulher trans que perdeu sua casa às enchentes na Ilha da Pintada, na Região Metropolitana de Porto Alegre, teve que se deslocar para quatro abrigos, três em Guaíba e um em Porto Alegre, até encontrar um local adequado para ficar “Sofri de transfobia. As pessoas me ligaram”. ele”, “médico”, “mano” e eu parecíamos uma mulher, vestida de mulher, com roupa de mulher. Mesmo assim, me chamavam de “ele”, revela Hellen. Faleiro (centro) com os coordenadores do abrigo para pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ Arquivo pessoal Em 2023, 145 pessoas trans foram assassinadas, segundo o “Dossiê: assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2023”, elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). O número representa um aumento de 10,7% em relação a 2022. Os relatos do artista Gustavo nesse período de calamidade no RS não são diferentes. Segundo ele, um homem trans sofreu tentativa de assédio em um abrigo, após ter sido agredido sexualmente antes da enchente, e “preferiu sair e dormir na rua a permanecer dentro do abrigo”. […]. Era mais seguro estar fora do que dentro.” Em situações como essa, a resposta da sociedade civil em favor das pessoas trans tem sido crucial para aqueles que enfrentaram casos semelhantes. Dani Morethson, presidente da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas, mobilizou-se no primeiro dia de voluntariado para ajudar moradores de rua: “Bateu um caso de transfobia, que é comum, usando o banheiro”, explica. Hoje, Dani é coordenadora de um abrigo para pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ atingidas pela enchente”, Renascer”. “Decidimos consertar um prédio fechado e trazer a população LGBT para cá. Em três dias, consertamos a iluminação, a rede elétrica e começamos a trazer um grande número de mulheres trans e homens trans”, conta a coordenadora. Atualmente, o abrigo conta com 27 pessoas, sendo quatro homens trans e sete mulheres trans, incluindo Hellen. Segundo Dani, todas as pessoas trans que estavam ali sofreram algum tipo de violação de direitos em outros abrigos, como restrições ao uso de banheiros e foram chamadas pelo “nome morto”, aquele que usavam antes de passar pela transição “São pessoas. que não estão preparados para nenhum tipo de calamidade, são desestruturados e não têm família para acolhê-los. Pessoas cisgêneras voltam para suas casas ou são acolhidas por seus familiares. Abrigo para pessoas LGBTQIAPN+, em Porto Alegre Arquivo pessoal Segundo o advogado Diego Candido, “o agravamento da situação de vulnerabilidade de uma pessoa que já está vulnerável e luta todos os dias pela sobrevivência” deixa Os efeitos da transfobia ambiental são ainda mais perceptíveis em tempos de desastres naturais e calamidades públicas. Para Gustavo, que além de trabalhar com arte é um dos idealizadores do projeto #AjudaTransRS (entenda mais abaixo), a maior dificuldade de uma pessoa trans enquanto está presa é ainda mais perceptível. A posição de estar desabrigado durante a enchente é “não receber ajuda enquanto todos os outros a recebiam”. “Mais uma vez, a população trans é uma das que mais sofre com os impactos do preconceito, da falta de informação e da formação de muitos profissionais da sociedade que estavam em abrigos”, afirma Gustavo. A situação de Hellen, que busca reconstruir sua vida após perder sua casa, é um exemplo da resiliência da comunidade trans diante de tantas adversidades. “Já abandonei muitos currículos e não entrei no mercado de trabalho por preconceito. Quero voltar a estudar e ser técnica de enfermagem, mas enquanto isso quero fazer cursos para ser cuidadora de idosos”, diz Hellen. Segundo Candido, essa situação é agravada pela falta de políticas públicas eficazes e a ausência de legislação específica para proteger os direitos da população LGBTQIAPN+ Ele destaca que “a legislação brasileira não dispõe sobre os direitos das pessoas LGBTQIA+ e, dada a omissão do legislador, tais direitos são garantidos pelo Poder Judiciário por meio de decisões proferidas pelos Tribunais Superiores. (STJ e STJ) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”. “Portanto, a salvaguarda desses direitos envolve a propositura de ações com base na análise do caso concreto, daí a necessidade de vigilância constante por parte dos operadores jurídicos que atuam no caso concreto”. Agenda de Direitos Humanos”, finaliza. #AjudaTransRS #AjudaTransRS reunião do projeto com Cecília Froemming, integrante da equipe da Secretaria LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos Arquivo pessoal O projeto #AjudaTransRS, criado por Gustavo junto com seu sócio, Luka Machado, visa minimizar a transfobia e garantir que tanto as pessoas trans afetadas pelas inundações como os voluntários se sintam seguros. Desde então, a #AjudaTransRS tem se dedicado a disponibilizar recursos de forma organizada e eficiente para atender às necessidades da comunidade trans. Até o momento, o projeto já atendeu mais de 135 famílias e distribuiu cerca de R$ 60 mil em recursos para aquisição de alimentos, água, remédios, kits de higiene, colchões, camas, produtos de limpeza e reformas residenciais. Os organizadores apelam às pessoas para que continuem a doar e a reforçar esta rede de apoio, ajudando a garantir que todos tenham a oportunidade de reconstruir as suas casas e viver com dignidade. 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