O STF formou maioria para descriminalizar o porte de maconha nesta terça-feira (25). O placar foi de 8 a 3 a favor da permissão do porte para consumo pessoal – a Justiça ainda definirá o valor que diferencia usuário de traficante em sessão nesta quarta-feira (26). Plantação de maconha descoberta pela polícia em Taubaté (SP) Polícia Civil/Divulgação O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal nesta terça-feira (26). O placar foi de 8 a 3 a favor da anulação da proibição. Nesta quarta-feira (26), serão divulgados os detalhes da conclusão do plenário, que também definirá o valor que diferencia usuários e traficantes. Os ministros estabelecerão uma tese que será utilizada para julgar casos semelhantes em tribunais inferiores. Veja quais são os próximos passos. Isso não significa, porém, que seja permitido o uso de maconha no Brasil. Como disse o ministro Gilmar Mendes durante o julgamento, “não é uma liberação geral”. O tema gera debate na perspectiva da saúde pública e levanta questões sobre se poderia levar ao aumento do número de usuários ou ao agravamento do tráfico de drogas. O que vai mudar na prática: Antes de o STF formar maioria pela descriminalização, o porte de maconha para uso pessoal era crime, mas, apesar disso, não levava a pessoa à prisão. Os casos acontecem em juizados especiais, e as punições costumam ser advertências e medidas educativas. Se a mudança for aprovada, esse tipo de medida não seria tomada. O que é mito e o que é verdade sobre a maconha? Faça o QUIZ e veja infográfico sobre a droga A discussão no Brasil é diferente da legalização das drogas, realidade em países da Europa e em vários estados dos EUA, que estabeleceram uma série de leis que permitem e regulamentam a conduta. (Veja tabela abaixo) Especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que, com base nos países que liberaram o consumo, foram percebidos pontos positivos em: saúde pública (queda no uso entre adolescentes no Canadá, por exemplo); segurança (no Uruguai, o consumo por meios ilegais caiu, enfraquecendo o crime organizado); e conscientização, com a adoção de políticas para educar a população sobre os riscos do uso. Mitos e verdades sobre a maconha Realidade em todo o mundo Embora seja ilegal em muitos países, a maconha é a droga mais usada no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Na Europa, por exemplo, é consumido por 8% da população. No ano passado, quando o tema voltou à pauta do STF depois de anos, o g1 compilou dados que mostraram que, dos 40 países monitorados por entidades internacionais que acompanham o tema, mais da metade deles não determinam mais punições aos usuários. A pesquisa reuniu informações do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC); o Observatório Europeu da Droga e da Dependência (OEDT), uma agência da União Europeia; e o Monitor de Políticas sobre Drogas nas Américas, do Instituto Igarapé. Como não havia dados disponíveis sobre produção e vendas para todos os países, foram consideradas apenas informações sobre posse/consumo de maconha. Estados Unidos, realidades diferentes Nos Estados Unidos não existe uma legislação unificada para o país. Lá, cada estado tem uma regra, que varia desde a legalização até a punição criminal pelo consumo de drogas. O consumo de drogas, bem como as plantações e o comércio regulamentado, são legais em 24 dos 50 estados americanos. Além disso, o país está entre os maiores fornecedores do medicamento, o que é reflexo do investimento de grandes empresas do ramo. Segundo relatório das Nações Unidas, as empresas do estado de Washington, por exemplo, atingiram o pico de US$ 1,4 bilhão em 2020. Veja no mapa abaixo qual é a regra em cada estado em relação ao consumo: Abaixo, o g1 conta como três países lidam com a maconha e, então, se é possível tirar lições para o Brasil. Portugal Desde 2001, o porte de maconha até 25 gramas não é crime no país. A posse de todas as drogas também foi descriminalizada. O governo adotou campanhas educativas e monitoramento de uso. Segundo o relatório do Serviço Nacional de Saúde, houve uma redução da prevalência do consumo de drogas ao longo da vida e uma maior sensibilização para os riscos da marijuana. No total, 9% da população consome marijuana, um pouco acima da média europeia de 8%. Paulo Pereira, coordenador na PUC-SP do grupo internacional de pesquisa sobre políticas sobre drogas, explicou ao g1, em entrevista em agosto de 2023, que o modelo aplicado em Portugal estava focado em não judicializar o que era uma questão de saúde pública. “A ideia dessa política é tirar os usuários da marginalização, dar acesso às políticas de saúde e realizar campanhas educativas. Observando o que aconteceu em Portugal, foi possível abrir o debate, especialmente entre os jovens. O foco era educar as pessoas para fazerem escolhas conscientes. É um caminho para resolver o problema de saúde pública”, disse Pereira. No Uruguai, a maconha só pode ser vendida em farmácias BBC Uruguai No país, toda a cadeia da maconha está legalizada desde 2015. Apesar disso, é necessário ter licenças específicas aprovadas pelo governo para cada uma das atividades. O governo uruguaio disse ao g1 que, desde a mudança na legislação, houve queda no consumo de maconha por meios ilegais e que as mortes associadas às drogas continuam no mesmo ritmo. Segundo o governo uruguaio: De 2014 a 2018, o consumo de maconha proveniente do tráfico aumentou de 58% para 11%. Não houve aumento na demanda por tratamento de saúde pública para o uso de maconha nos últimos cinco anos. Não houve casos de morte por envenenamento. Atualmente, 14,6% dos uruguaios usam maconha, e o número não para de crescer desde 2011. O professor Marcos Baudean, pesquisador da Universidad ORT Uruguai e que trabalhou no Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (IRCCA), do governo uruguaio, explicou por último ano quais eram os objetivos da medida: A legalização no Uruguai foi feita para estabelecer regras claras em relação ao consumo que já existiam, minimizar problemas de saúde – porque há regulamentação da qualidade da droga – e evitar que as pessoas precisem ter acesso aos traficantes e, como como resultado, envolver-se em atividades ilícitas. Para ele, é improvável um aumento do tráfico de drogas porque a legalização enfraquece o crime organizado. “Os países latino-americanos enfrentam uma situação muito difícil porque o crime domina os territórios e o crime organizado causa danos significativos às nossas economias e às nossas populações. Portanto, a legalização das drogas é uma forma de combater uma das causas importantes do crime organizado”, disse ele. Planta de maconha em plantação em Ontário, Canadá Carlos Osorio/Reuters Canadá O Canadá legalizou o uso recreativo de maconha em 2018. Segundo o último relatório do Ministério da Saúde canadense, divulgado em 2022, houve redução no consumo entre adolescentes. Além disso, o número de usuários entre 16 e 19 anos caiu de 44% para 37% entre 2019 e 2022. A idade média para começar a usar a droga passou de 18 para 20 anos entre 2018 e 2022. Em nota Ao g1, o governo canadense informou que as primeiras observações após os primeiros cinco anos “sugerem progresso no alcance dos objetivos de saúde e segurança públicas”. Dados provenientes de múltiplas fontes indicam que uma maioria significativa de adultos que consomem cannabis obtém-na através do mercado legal. Além disso, desde a legalização, a proporção de pessoas que consomem cannabis diariamente ou quase diariamente manteve-se estável e tanto a percepção do risco como o conhecimento dos riscos associados ao consumo de cannabis aumentaram. Brasil: o que esperar? Com base na experiência de outros países que descriminalizaram o porte, especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que a sociedade brasileira pode obter ganhos nas seguintes áreas: Saúde pública Mais ações: Enfrentar a realidade de que há usuários e que a droga é a mais usada em o país mundial pode ajudar a desenvolver ações de saúde pública para tratar essas pessoas. A mudança tem mais a ver com saúde pública do que com segurança pública. Tratamento: A descriminalização seria um passo importante para tratar os usuários com medidas de saúde pública, monitorando dados e impactos do uso de drogas. Nas devidas proporções devido aos diferentes contextos sociais e realidade, o professor Paulo Pereira compara o Brasil a Portugal, onde a droga foi descriminalizada: “O resultado foi um impacto positivo na saúde pública: não houve aumento no consumo, houve queda no uso entre os adolescentes e maior percepção do risco da droga já era usada e era um problema no país antes da descriminalização, como no Brasil a descriminalização veio para estimular as políticas de saúde no que já era necessário”, diz Pereira. Mais diálogo na sociedade: A pesquisadora Marina Alkmin, do Instituto Igarapé, também sustenta que descriminalizar abriria o diálogo para falar dos riscos. “Com a descriminalização, poderíamos falar abertamente sobre isto e discutir a sensibilização sobre os riscos para a saúde. As pessoas poderiam tomar melhores decisões sobre aquilo a que estão se expondo. Essa é uma política melhor de redução de danos”, afirma Marina. Segurança pública Redução da população carcerária: Hoje, os mecanismos que distinguem o consumo do tráfico não estão bem estabelecidos, o que leva muitos usuários à prisão. Levantamento do g1 mostra que o país tem 322 pessoas presas para cada 100 mil habitantes – e está entre os que têm mais penas de prisão no mundo. Mais justiça social: Existem diferenças raciais e de gênero nas abordagens, o que significa que os usuários brancos e de classe média são menos entre os usuários negros e de baixa renda. Não há aumento no tráfico de drogas: Para Paulo Pereira, que também é membro da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional no campo “Reforma da Política de Drogas” – uma organização da sociedade civil que reúne países de todos os continentes, um aumento no consumo é improvável e o tráfico de drogas. Marina Alckmin, responsável pela elaboração de estudos para subsidiar políticas públicas, também compartilha da mesma opinião. O tráfico de drogas e o alto consumo de drogas são uma realidade brasileira. O que observamos nos países onde isso ocorreu há mais de dez anos é que não há aumento do tráfico de drogas. É muito improvável que isso aconteça no Brasil. Para Ilona Szabó de Carvalho, presidente do Igarapé e membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral da ONU, o Brasil está atrasado nessa discussão, travando avanços na segurança pública. Nos países vizinhos, como Argentina e Colômbia, a droga já está descriminalizada. A expectativa é que possamos avançar na descriminalização de todas as drogas – decisão que se basearia nas melhores evidências -, pois só assim conseguiríamos um impacto real na melhoria dos cuidados de saúde às pessoas em situação de vulnerabilidade que abusam de drogas e na redução do encarceramento da população negra. Conscientização: Conscientização sobre o consumo: Com políticas públicas de saúde é possível educar as pessoas sobre o que consomem e os riscos. Tal como em Portugal, com a descriminalização e as campanhas, a percepção de risco das pessoas aumentou. “O uso da maconha é uma realidade, principalmente entre os jovens. Com a descriminalização, quem usa vai se sentir menos inibido em falar sobre o assunto e será possível trabalhar campanhas educativas que envolvam pais e alunos e possam ajudar a reduzir o uso entre os mais jovens”, afirma Paulo Pereira. Comércio legal de maconha No Brasil, como o STF descriminalizou apenas o porte de maconha e não a droga em si, não haverá impacto na economia. Mas em países onde a produção de medicamentos foi legalizada e as vendas regulamentadas, como os Estados Unidos e o Canadá, criou-se um mercado com empresas que já possuem receitas significativas e conversão em impostos. Segundo dados enviados pelos países à ONU, em 2020, o mercado de cannabis na Califórnia, nos EUA, atingiu US$ 4,4 bilhões em vendas. No Colorado, atingiu US$ 2 bilhões. No Canadá, o valor de varejo do mercado de maconha em 2020 foi de 2,6 bilhões de dólares e de 3,8 bilhões de dólares em 2021. De acordo com o relatório da ONU, os países relataram que todos os estados impuseram impostos sobre a maconha. venda de maconha. Nos Estados Unidos, em 2020 o estado do Colorado gerou US$ 387 milhões em impostos sobre a venda do medicamento. Na Califórnia o valor foi de US$ 1,1 bilhão.
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