O solo seco e o baixo nível dos rios prejudicam não só a irrigação e as culturas no campo, mas também a geração de energia e a movimentação de cargas pelo país. Tudo impacta na cadeia produtiva e, consequentemente, na inflação do país. Barcos-casas ficaram encalhados no leito do Igarapé do Xidamirim, cujo nível das águas caiu drasticamente devido à seca em Tefé, no Amazonas. Foto de 20 de agosto de 2024 Bruno Kelly/Reuters O Brasil enfrenta a pior seca de sua história recente, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). E a previsão dos meteorologistas é que as ondas de calor e a seca se mantenham em quase todo o país pelo menos até novembro. O cenário é preocupante e pode gerar uma série de impactos negativos na economia brasileira. O solo seco e os baixos níveis dos rios prejudicam não só as culturas agrícolas, mas também a geração de eletricidade, o custo do combustível e o transporte de cargas em todo o país. Essa combinação de fatores impacta diretamente no bolso dos brasileiros, principalmente dos mais pobres. São impactos na cadeia produtiva de alimentos e nos custos das empresas de todo o país, que geram aumento nos custos básicos do dia a dia. Em 2021, último momento da mais grave crise energética, a seca provocou um aumento de 21,21% na energia elétrica residencial, que foi o segundo subitem com maior contribuição para a inflação oficial do país. Perdeu apenas para a gasolina, que aumentou 47,49%. Naquele ano, o IPCA atingiu 10,06%, o maior nível desde 2015. De olho na seca de três anos atrás e no cenário atual, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tentou tranquilizar nesta terça-feira agentes do mercado e produtores- justo (3). “Não passaremos em 2025 pelo que aconteceu em 2021”, afirmou. É possível que os níveis não sejam os mesmos, mas a inflação já é uma preocupação latente e ganha novo reforço. Em julho, o IPCA acumulado na janela de 12 meses atingiu 4,50%, no topo do intervalo permitido pela meta perseguida pelo Banco Central do Brasil (BC). Caso continue elevada, o BC poderá ser obrigado a manter os juros básicos do país em patamares mais elevados para controlar os preços. Além disso, o forte resultado do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre, alta de 1,4% no período, mostra que o consumo continua forte e aumenta os temores de que a inflação esteja prestes a sair da meta do BC. O mercado financeiro já aposta na alta dos juros em setembro. Neste relatório você entenderá, em um contexto já complexo, os possíveis efeitos econômicos da maior seca da história: Os impactos na geração de energia As colheitas — e os alimentos que ficam mais caros As cadeias logísticas impactadas A pressão sobre a inflação e juros Os impactos na geração de energia Alexandre Maluf, economista da XP Investimentos, afirma que a principal consequência inicial da seca é o aumento da conta de luz. Conforme mostrou o g1, a bandeira tarifária foi alterada de “verde”, em que não há cobrança extra pelo consumo de energia, para “vermelha nível 2”, a mais cara e que acrescenta R$ 7,88 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos pelas famílias. A última vez que o governo levantou a bandeira vermelha foi justamente em agosto de 2021 —momento de crise hídrica. A situação era tão grave que, um mês depois, a Aneel criou a bandeira ainda mais cara de “escassez hídrica” para atender o sistema elétrico nacional em situação de grave seca. Um aumento como esse ocorre dada a importância das hidrelétricas para o Brasil. São a principal fonte de energia do país, com 51,6% da carga total produzida, segundo dados atualizados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Entenda no vídeo abaixo como funciona o sistema de transmissão de energia brasileiro: Apagão nacional: sistema de transmissão de energia e diferenças em relação à crise de 2001 Para esse tipo de geração de energia, a principal matéria-prima é, justamente, a água. “O clima tem papel crucial nos preços da energia”, destaca Gustavo Sozzi, engenheiro e presidente do Grupo Lux Energia. Com a falta de chuvas, a quantidade de água nos reservatórios cai e a capacidade de geração de energia diminui. Para compensar essa perda, o país recorre a fontes alternativas, como as termelétricas — que são mais caras e menos eficientes. A utilização de termelétricas aumenta os custos de produção, aumentando as bandeiras tarifárias e, consequentemente, a conta de luz, explica o engenheiro. Quanto menor a capacidade hidrelétrica, portanto, maior será a bandeira e o preço cobrado pela energia. O especialista reforça ainda que as perspectivas para os próximos meses não são boas. Mesmo que as chuvas voltem em outubro, a seca prevista para setembro reduzirá ainda mais os níveis dos reservatórios e tornará o solo (em regiões já secas) ainda mais duro, o que dificulta a recuperação durante as chuvas. “Esperamos que, a partir do início de outubro, as chuvas voltem ao país com mais intensidade. Mas isso, inicialmente, não significará redução no custo da energia. Precisaremos de uma sequência de alguns meses com boas chuvas normalizar a situação”, destaca Sozzi. Colheitas — e alimentos que se tornam mais caros Outro grande problema da seca é a escassez de produtos agrícolas, resultado de más colheitas e perda de alimentos. As perdas na produção provocam os chamados “choques de oferta”, que acontecem quando um produto fica menos disponível no mercado — e, portanto, os seus preços sobem. As recentes queimadas no interior de São Paulo também podem pressionar o preço da cana-de-açúcar, matéria-prima utilizada na produção de açúcar e etanol. Se o incêndio for controlado, porém, o impacto será pontual e não deverá pesar na inflação, considera o economista. Alexandre Pires, do Ibmec, destaca que a extensão da seca — presente em quase todo o país — tende a prejudicar, principalmente, produções como soja, pecuária e frutas e hortaliças. “Este ano teremos quebra de safra por conta da seca, que já vem se intensificando nos últimos meses. Há uma generalização da seca”, comenta o professor. Como mostrou a reportagem do g1, a seca prejudica principalmente os pequenos produtores, que não possuem sistema de irrigação para lidar com a estiagem. Cerca de 13% da área agrícola nacional tem esta estrutura, mas é dominada por grandes produtores focados na exportação. É a agricultura familiar, porém, a responsável pela alimentação da maioria dos brasileiros. Alexandre Maluf, da XP, comenta que as plantações de soja e milho poderão ter melhora nas condições a partir de outubro, caso as chuvas se normalizem. O prolongamento da seca, por outro lado, poderia encarecer ainda mais estas culturas. Cadeias logísticas impactadas Em termos logísticos, a seca afeta principalmente o escoamento da produção industrial na Zona Franca de Manaus, onde os rios estão em níveis alarmantes. “Isso acaba dificultando o fornecimento de insumos para a indústria do Centro-Sul, principalmente do Sudeste”, diz Alexandre Maluf, da XP. O economista comenta que, portanto, alguns produtos devem sofrer “estresse na cadeia logística” — ou seja, menor oferta de alguns itens, porque o transporte foi prejudicado pela seca. Entre os produtos que mais deverão sentir esses impactos, Maluf destaca: Equipamentos eletrônicos; Insumos para a indústria; Peças para motocicletas; Peças automotivas. Para o economista, porém, mesmo que a situação gere impacto inflacionário, deve ser algo de “curto prazo”. Mas o professor Alexandre Pires, do Ibmec, destaca que o modal hidroviário é muito importante para a região Norte, e que o baixo volume dos rios afeta diretamente a economia local. A seca na região afetou, por exemplo, o transporte de itens de saúde pública. Como mostrou o g1 em agosto, a forte estiagem atrasou a entrega de oxigênio e medicamentos no município de Envira, no interior do Amazonas. Além disso, os rios mais secos causaram escassez na cidade e fizeram com que os preços de alguns alimentos subissem mais de 100%. Nesse sentido, Pires comenta que a seca pode exigir atenção do governo federal para as comunidades da região, que dependem do rio para sobreviver economicamente. Isso, segundo o professor, poderia gerar pressão por auxílios à subsistência dessa população durante a seca, impactando maior nas contas públicas. Pressão sobre a inflação e os juros Alexandre Pires, do Ibmec, afirma que há uma tendência crescente de a inflação ficar acima da meta do Banco Central devido aos “choques adversos” que o Brasil tem enfrentado. O cerne da meta do BC para 2024 é a inflação de 3%. Contudo, será considerado cumprido se terminar o ano num intervalo entre 1,5% e 4,5%. Os dados mais recentes, de julho, mostram que a inflação acumulada em 12 meses foi de exatos 4,5%. Veja o gráfico abaixo. A principal ferramenta do Banco Central para controlar a inflação é a taxa Selic — que atualmente é de 10,50% ao ano. Essa é a referência utilizada por bancos e instituições financeiras para, por exemplo, orientar a oferta de crédito. Portanto, quanto maior a alíquota, mais caro fica para pessoas e empresas contratarem crédito —o que reduz os investimentos e o consumo das famílias. Em geral, este ciclo reflecte-se na economia do país, com uma actividade económica mais fraca. O economista Alexandre Maluf, da XP, avalia que, caso a forte seca continue, a soma dos fatores pode, de fato, significar um aumento da pressão sobre o BC para manter a Selic em patamares elevados. “Mas ainda é cedo para dizer se o cenário mudará ou não a opinião do Banco Central”, afirma. Pires, do Ibmec, lembra que a instituição leva em consideração uma série de dados na hora de decidir sobre as taxas de juros, que incluem fatores nacionais e internacionais. “Como há tendência de queda dos juros norte-americanos, aqui não deve haver aumento de juros. A tendência é que os juros permaneçam como estão, apesar das pressões inflacionárias”, afirma o economista.
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