São R$ 130 bilhões até 2030 para o desenvolvimento de tecnologias limpas. Rede de abastecimento, preço e acesso a peças ainda são gargalos para a eletrificação da frota de carros BYD Divulgação Nas contas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as montadoras vão gastar no país, no novo ciclo de investimentos até 2030, R$ 130 bilhões para desenvolver tecnologias limpas, incluindo eletrificação de veículos. É o maior valor da história desembolsado pelo setor automotivo no Brasil para o grande ponto de virada na transição energética. A aprovação pelo Congresso do programa Mover, que prevê R$ 19,3 bilhões em incentivos para novas tecnologias, ajudará a acelerar esse movimento. Se as previsões dos especialistas se concretizarem, 150 mil veículos eletrificados serão vendidos no Brasil este ano, 60% a mais que em 2023. É um salto impressionante para um segmento que estava em sua infância há alguns anos. Leia também: ‘Sobretaxa de custo ambiental’: companhia aérea faz passageiros pagarem pelo impacto climático de seus voos Ainda assim, o número brasileiro é muito baixo se comparado à venda anual de carros a combustão — cerca de 2 milhões — e à queda d’água na frota nacional de quase 120 milhões de veículos. Os carros elétricos atualmente somam cerca de 300.000 unidades. No exterior, o ritmo de vendas de veículos eletrificados — incluindo veículos puramente elétricos, híbridos (que também são abastecidos com combustíveis tradicionais como o etanol) e híbridos plug-in (que podem ser conectados a tomadas) — está acelerando. Só no ano passado foram matriculadas 14 milhões de unidades, 95% delas na China, Europa e EUA, regiões onde a frota elétrica já representa entre 30% e 40% do total. Apesar dos investimentos das montadoras brasileiras, estudo inédito da consultoria alemã Roland Berger mostra que ainda existem gargalos que precisam ser superados no Brasil. Os principais são a infraestrutura de carregamento de veículos elétricos plug-in, o alto preço dos automóveis e o acesso a peças e componentes. Aposte nos híbridos flex O estudo indica que são os carros híbridos leves (não plug-in) que devem despontar como tendência. Por possuírem motor e bateria de tamanho e potência limitados, são mais baratos. De olho na vantagem competitiva do país, as montadoras passam a oferecer híbridos flexíveis, também movidos a etanol. — Apesar de todo mundo falar em carros elétricos movidos a baterias de lítio, no Brasil também temos o etanol, com um mercado consolidado de carros flex, o que sinaliza que os carros a combustão ainda estarão aqui por muito tempo — explica Cristiano Doria, sócio-diretor da Roland Berger Brasil , autor do estudo, lembrando que o etanol também resolve parte do problema das emissões de CO2 por ser menos poluente. Postos de abastecimento A possibilidade de utilização de combustíveis tradicionais também ajuda a superar problemas de infra-estrutura. Dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) revelam que o país conta atualmente com 8 mil pontos de recarga públicos, com expectativa de chegar a 10 mil em 2025. Na China, segundo a Administração Nacional de Energia (NEA), o número de pontos públicos chega a quase 2 milhões. É um reflexo das políticas de infra-estruturas que têm sido implementadas pelo governo chinês há anos. No Brasil, as empresas privadas estão na vanguarda do processo de instalação de pontos de carregamento. Em fevereiro, a Raízen Power, empresa que busca as soluções de energia elétrica renovável da Raízen, e a montadora chinesa BYD, anunciaram parceria para construção de 600 postos de recarga no Brasil em postos Shell. A Raízen Power já havia adquirido, em 2023, a rede de recarga de veículos elétricos da startup brasileira Tupinambá com 204 carregadores. A Vibra, líder no setor de distribuição de combustíveis e energia, chegou ao final do ano passado com 15 postos de recarga em rodovias, entre Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Minas Gerais. Clarissa Sadock, vice-presidente de Energias Renováveis e ESG da Vibra, afirma que o objetivo é expandir a rede de recarga para o restante do Brasil por meio de suas estações convencionais: — Nosso objetivo de curto prazo é conectar as regiões Sul e Sudeste do Brasil. país, além de estados do Nordeste e do Distrito Federal. A meta da empresa é disponibilizar o serviço de recarga de veículos elétricos em 25% da nossa rede de postos até 2030. Alexandre Baldy, consultor especial da BYD, afirma que o Brasil é a maior aposta da empresa depois da China. A BYD se prepara para iniciar a produção de veículos 100% elétricos na Bahia, em 2025, onde está investindo R$ 5 bilhões. — Os brasileiros são muito abertos à inovação. As políticas públicas são essenciais em todas as esferas para reduzir emissões, aumentar os investimentos e aumentar a competitividade — afirma Baldy. A montadora chinesa iniciou uma guerra de preços no país ao trazer o modelo Dolphin por R$ 149 mil no ano passado, levando a concorrência a baixar também os preços. A Stellantis, dona das marcas Fiat, Peugeot e Citröen, avalia que o Brasil tem a oportunidade de fazer uma transição mais planejada e menos custosa para a eletrificação pura por causa de sua matriz energética. A montadora, que investirá R$ 30 bilhões no país até 2030, busca uma eletrificação mais acessível aos consumidores com carros híbridos. — O uso do etanol aliado à eletrificação é o caminho mais rápido e viável do ponto de vista social, econômico e ambiental para aumentar a eletrificação da frota brasileira — afirma Emanuele Cappellano, presidente da Stellantis para a América do Sul. A Stellantis criou o departamento de e-Mobility, que reúne soluções voltadas para a mobilidade elétrica. Por meio de parcerias, busca desenvolver infraestrutura para utilização de bondes. A empresa tem acordo com Tupinambá para mapear mais de 2 mil carregadores em todo o Brasil por meio de um aplicativo desenvolvido pela própria montadora. Também mantém parceria com a Estapar, empresa de estacionamento, e a Zletric (rede de recarga de veículos elétricos) para instalação de 740 postos de recarga sem custo para clientes de suas marcas. A Toyota foi pioneira Ricardo Bastos, diretor de Assuntos Institucionais da GWM Brasil, que montará carros em Iracemápolis, no interior de São Paulo, diz que o programa Mover acelera a estratégia de produção da montadora — que deve começar no primeiro semestre de 2025 com o híbrido Haval. A empresa chinesa GWM começou a vender os seus veículos em abril do ano passado e já foram matriculadas 20 mil unidades, entre híbridos, híbridos plug-in e elétricos puros. A expectativa é vender 31 mil unidades este ano. — Com o Mover, vamos acelerar nossos planos no país. A visão da GWM para o Brasil é de longo prazo, uma visão estratégica que envolve a forte participação da produção nacional — afirma Bastos. Outras montadoras também visam os carros híbridos como uma etapa anterior à eletrificação total no Brasil. A japonesa Toyota foi a pioneira no desenvolvimento e produção de híbridos movidos a etanol no país — em 2019, com o Corolla. Na última década, a empresa sempre defendeu a tecnologia híbrida como forma de superar o alto custo dos carros 100% elétricos. No Brasil, todos os seus veículos passarão a ter versão híbrida. A americana General Motors, que vinha apostando em carros puramente elétricos nos EUA, não descartou que híbridos pudessem ser fabricados no Brasil, dependendo da demanda do consumidor, ao anunciar investimentos de R$ 7 bilhões no país até 2028.
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