O Brasil precisa de médicos especialistas. De acordo com o Painel de Educação Médicaplataforma de dados criada pela Associação de Educadores Superiores Independentes (AMIES), em parceria com o portal Melhores Escolas Médicas (MEM)o país conta com 847 mil profissionais divididos em 64 especialidades. Tomando como base a população de mais de 203 milhões de pessoas – dados de Censo 2022Divulgado pela última vez pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, a proporção é de um médico especialista para cada 240 brasileiros.
Segundo levantamento do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DadosSUS), as doenças do aparelho circulatório são responsáveis por 26% das mortes no Brasil. A taxa de mortalidade é de 1.096 por dia. Nesse contexto, o Painel de Educação Médica revela que a população brasileira conta com apenas 3.570 angiologistas, 6.856 cirurgiões vasculares e 4.544 cirurgiões cardiovasculares. Entre as três especialidades, existe um médico especialista para cada 13,5 mil cidadãos residentes no país.
O cruzamento de dados do DataSUS e do Painel de Educação Médica dá a dimensão exata da escassez de médicos especializados no Brasil. Enquanto as neoplasias (tumores) matam 244 mil pessoas por ano (15,8% do total de mortes), o país conta apenas com 6.705 oncologistas clínicos, 3.324 cancerologistas cirúrgicos e 693 cancerologistas pediátricos. Da mesma forma, se por um lado as doenças do aparelho respiratório causam 176 mil mortes (11,4%), os brasileiros contam com 4.704 pneumologistas – ou seja, um para cada 43 mil pessoas.
Divididos pelos estados da Federação, os números do Painel de Educação Médica são ainda mais alarmantes. Roraima registra apenas um cirurgião vascular, um cardiologista intervencionista, dois imunologistas; Rondônia, médico sanitarista, três angiologistas, sete geriatras; Acre, dois cirurgiões pediátricos, dois coloproctologistas, cinco hematologistas; Amazonas, um homeopata e dois geneticistas.
O painel também inclui 483 neurologistas da Bahia. A média de 0,03 profissionais para cada mil habitantes do estado contrasta com a coeficiente de 3,73 recomendado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Egresso do Programa de Residência Médica da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia Instituto do Cérebro, Victor Maia explica que essa especialidade é fundamental para o diagnóstico de diversas doenças crônicas com repercussão neurológica, como hipertensão, diabetes, doenças relacionadas à obesidade, metabólica, endocrinológica, entre outras.
“É necessário ampliar os serviços e espaços de aprendizagem em Neurologia, porém é preciso levar em conta que não adianta emitir certificados de especialista sem que o profissional esteja apto a exercer plenamente suas funções. A neurologia muitas vezes requer tecnologias, infraestrutura e outras questões altamente complexas. Se você não tiver o campo de treinamento adequado, você formará artificialmente especialistas não qualificados ou nunca terá neurologistas suficientes”, avalia Victor.
A diarista Joelma dos Santos Bispo, 34 anos, sabe bem como a ausência de um médico especializado pode dificultar o tratamento de saúde ou até mesmo comprometer a vida do paciente. Em maio passado, após orientação de um clínico geral, em uma clínica da zona rural de Feira de Santana-BA, ela e os irmãos decidiram unir forças e custear os exames da mãe, Josefa Bispo, na rede privada. “Assim que saiu o resultado dos primeiros exames, o próprio laboratório ligou e orientou que levassemos minha mãe para um pronto-socorro”, lembra Joelma.
Dona Josefa foi levada para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), fez tomografia, esperou quatro dias pela regulação e fez ressonância magnética em um hospital público da cidade. O exame revelou um tumor no fígado. A idosa permaneceu internada até o dia 14 de junho, quando faleceu durante um procedimento cirúrgico e estava prestes a completar 66 anos. “Ela tinha câncer e nunca recebemos nenhum conselho de um oncologista. Quando descobrimos, ela estava na mesa de operação, com a doença em estágio avançado”, conta Joelma Bispo.
De acordo com o Censo de Oncologia Clínica no Brasilpesquisa da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) em parceria com o Instituto Datafolha, 70% dos oncologistas associados à SBOC atuam exclusiva ou principalmente na rede privada e apenas 4% se dedicam exclusivamente ao serviço público. Mais da metade (54%) está concentrada no Sudeste do país. No Nordeste, região onde mora a família de Joelma, há apenas 18% de oncologistas. Na região Norte, o percentual é de 3%.
Vagas de residência desatualizadasA Demografia Médica no Brasil 2023estudo elaborado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB), revela que as vagas de Residência Médica (RM) no Brasil são insuficientes para formar especialistas em quantidade equivalente ao número de médicos formados em o ano anterior. A análise considera a evolução das vagas de residência no período de 2018 a 2021, e o número de novos prontuários de anos anteriores, de 2017 a 2020.
Segundo a pesquisa, a lacuna entre as vagas de R1AD – especialidades de acesso direto, geralmente ocupadas por médicos recém-formados que não concluíram outra residência anteriormente – para o número de formados em Medicina aumentou no período analisado. “Passou de 3.866 vagas, comparando R1AD de 2018 e concluintes de 2017, para 11.770 vagas comparando R1AD de 2021 e concluintes de 2020. Entre 2020 e 2019, o desnível foi de 10.563 vagas e, entre 2019 e 2018, 6.240 vagas”, diz o estudo.
Considerando que, em 2022, foram oferecidas 41.805 vagas de graduação médica no Brasil, a pesquisa aponta um aumento substancial na lacuna de vagas de residência médica, em um curto espaço de tempo, caso não haja ampliação da oferta. Porém, lembre-se que estudar ressonância magnética não é obrigatório para exercer a medicina no país, que a legislação que previa a “universalização” da residência (uma vaga de ressonância magnética para cada graduado) “caiu por terra”, e muitos médicos adiam o ingresso. ou decidem não estudar RM, pois preferem atuar como generalistas ou buscar outro tipo de formação especializada.
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