Um pesquisador está usando inteligência artificial para tentar prever o fenômeno, que, embora reconhecido pela NASA, não é consenso entre especialistas. Fonte BBC News No centro-oeste, o Pantanal pegou fogo nos últimos meses por causa da seca e da ação humana Sebastião Moreira/EPANo centro-oeste, o Pantanal pegou fogo nos últimos meses por causa da seca e da ação humana Mais da metade dos municípios brasileiros passaram o mês de julho em condições de seca moderada a extrema. Essa classificação, feita pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do governo federal, mede a severidade da seca, partindo de seca fraca, moderada, severa e, por fim, extrema. Segundo o monitoramento, 404 cidades registraram seca extrema no mês passado, 1.361 seca severa e 1.068 seca moderada. Em relação a junho, o monitoramento mostra que a situação se agravou: o número de municípios com seca extrema aumentou quatro vezes, e com seca severa saltou de 918 para 1.361. Para se ter uma ideia da extensão do agravamento, em junho do ano passado, o número de cidades em situação de seca severa era de 44. A previsão para o mês de agosto é que esse cenário piore ainda mais, principalmente no Amazonas. , Acre, Mato Grosso, Pará, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e São Paulo. No Brasil, as secas são registradas oficialmente desde o final do século XIX. Mas desde o início do século XXI, um novo fenómeno relacionado com a seca tem sido estudado em todo o mundo: as secas repentinas. “O termo foi definido por um grupo de pesquisadores americanos em 2002”, explica o pesquisador brasileiro Humberto Barbosa. “E desde então, vários estudos foram publicados, todos ligando este conceito às alterações climáticas”. Barbosa explica que, enquanto a seca normalmente é “silenciosa”, causando efeitos que não são visíveis no início, a seca relâmpago é, como o próprio nome sugere, mais rápida. “A seca relâmpago ocorre a partir de uma combinação de fatores que incluem redução das chuvas, aumento da temperatura acima da média, baixa umidade do solo e alta demanda evaporativa [quando mais água evapora da superfície e transpira das plantas, esgotando a umidade do solo rapidamente]”, explica o pesquisador. Por ser repentino e causar grandes danos, o desafio é prever esse fenômeno para tentar mitigá-lo. E é nisso que Barbosa vem trabalhando, utilizando um sistema de inteligência artificial. O projeto piloto, iniciado há dois anos, foi desenvolvido com foco no semiárido brasileiro, localizado na região Nordeste, que historicamente sofre com a escassez hídrica. Mas a ideia é ampliar as previsões para todo o território nacional. Os dados já coletados apontam para secas repentinas mais extremas nas próximas décadas na bacia do Rio São Francisco, devido ao aquecimento global. A região abrange municípios dos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além do Distrito Federal. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde Barbosa é professor. Para compreender a dinâmica do fenômeno, são analisados alguns parâmetros, como temperatura, transpiração do solo e das plantas, cobertura vegetal e umidade do solo. Como o “estresse hídrico” afetará a América Latina nos próximos 25 anos O que são os superpoluentes e como combatê-los pode retardar o aquecimento global Por que a Amazônia se tornou um “barril de pólvora” e os incêndios quebram recordes Barbosa e sua equipe fornecem essas informações à inteligência artificial para treine ela. A ideia é que, no futuro, seja possível prever uma seca repentina, utilizando esta previsão de alerta. Barbosa acredita que, sabendo com antecedência, será possível, por exemplo, preparar o solo para a seca. O investigador alerta, no entanto, que as secas repentinas estão ligadas às alterações climáticas. Isso significa que o fenômeno deve ser cada vez mais comum. O cenário desenhado pelo Cemaden para o mês de agosto, com o agravamento da seca, especialmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, é semelhante ao previsto por Humberto Barbosa. “A situação é muito crítica para o Sudeste e Centro-Oeste nos próximos meses”, afirma. “Neste momento, há 70% de chance de termos uma massa de ar seco atuando em setembro e parte de outubro sobre a região. Será um ano crítico.” Ele acrescenta que os fatores são inclusive favoráveis para tempestades de areia na região. “E podem ser muito mais intensos que os anteriores”, afirma. No Norte do país, no Estado do Amazonas, foi declarado estado de emergência em 20 cidades no mês passado devido à seca. Barbosa explica que as secas repentinas estão favorecendo inclusive o aumento das queimadas na Amazônia. Seca é um processo Mas, para Gilvan Sampaio, coordenador-geral de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o que vem acontecendo, tanto na região Sudeste do país quanto no Amazonas, não tem relação com secas relâmpago. , um fenômeno que ele refuta. “A seca é um processo que leva meses, por isso não considero que exista esse fenômeno de secas repentinas”, diz Sampaio. Segundo ele, a seca que castiga a Amazônia pelo segundo ano consecutivo é consequência do aquecimento das águas do Atlântico Tropical Norte. “Quando a temperatura da água esquenta, o ar sobe e, quando desce, também fica mais quente, evitando a formação de chuva”, diz Sampaio. “Isso não tem relação com o El Niño, fenômeno que terminou em junho e provoca aumento de temperatura nas águas do Pacífico. O Atlântico Tropical Norte está aquecendo há dois anos como resultado do aquecimento global.” Por outro lado, a seca no Sudeste e Centro-Oeste é uma característica da estação que vivemos, o inverno, segundo ele. “Não há nada de novo nisso. Exceto pela sensação de que o clima está mais seco, que se deve à temperatura mais elevada, isso está associado ao El Niño”, diz Sampaio. Segundo o pesquisador, o aumento das temperaturas acaba bloqueando as frentes frias, que não conseguem chegar às regiões e, consequentemente, a chuva não cai. “Na verdade, foi um bloqueio atmosférico que fez com que as chuvas ficassem retidas sobre o Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio”, explica. Fonte da BBC News Caminhão atravessa a ponte Macuxis, em Boa Vista (RR), em março deste ano Raphael Alves/EPACaminhão atravessa a ponte Macuxis, em Boa Vista (RR), em março deste ano Seguindo o brilho Apesar das secas com raios Embora haja Sem consenso entre os pesquisadores, o fenômeno é reconhecido pela NASA, agência espacial americana. Na verdade, a agência publicou um estudo recente mostrando que era possível detectar seus sinais até três meses antes do início. Os cientistas descobriram que a chave para isso está no brilho das plantas, imperceptível a olho nu, mas detectado pelos satélites. A explicação gira em torno de um processo químico. Durante a fotossíntese, quando a planta capta a luz solar para transformá-la em energia, sua clorofila acaba vazando alguns fótons não utilizados. Este é um brilho fraco, tecnicamente chamado de fluorescência induzida pela energia solar. Quanto mais forte for a fluorescência, mais dióxido de carbono uma planta retira da atmosfera para alimentar o seu crescimento. Este brilho não é visto a olho nu. No entanto, é detectado por alguns instrumentos a bordo de satélites. É precisamente aqui que começam as previsões de secas repentinas. Isto porque os investigadores compararam anos de dados sobre a captura desta fluorescência com um inventário de secas repentinas que atingiram os Estados Unidos entre 2015 e 2020. O que os investigadores descobriram foi que, nas semanas e meses que antecederam uma seca, os raios , as plantas emitiram uma fluorescência muito mais forte. Este sinal foi reduzido à medida que o solo ficou mais seco. Os pesquisadores compararam anos de dados de fluorescência com um inventário de secas repentinas que atingiram os Estados Unidos entre maio e julho de 2015 a 2020 e encontraram um efeito dominó. Nas semanas e meses que antecederam uma seca repentina, a vegetação inicialmente prosperou à medida que o clima se tornou mais quente e seco. De acordo com o estudo, as plantas com flores emitiam um sinal de fluorescência “extraordinariamente forte” para a época do ano, que os investigadores disseram ser um sinal de que uma seca repentina estava a chegar. A pesquisa de Barbosa também está ligada à NASA, já que a agência manteve sua bolsa de doutorado na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. Para o investigador, criar um sistema capaz de prever o fenómeno com alguma antecipação é uma das chaves para enfrentar as consequências das alterações climáticas. “Mesmo que consigamos fazer uma boa redução nas emissões de dióxido de carbono, há um resíduo de emissões que manterá essas secas pelos próximos anos e décadas”, afirma o pesquisador brasileiro. “As pessoas ainda não compreendem o impacto das alterações climáticas na formação destas secas repentinas.”
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