Atualmente, os astronautas recebem pequenas bolsas de alimentos, contendo refeições já preparadas, congeladas, desidratadas ou termoestabilizadas. Mas há novos desenvolvimentos nesta área, como a descoberta de um micróbio comestível no interior da Finlândia, que cresce alimentando-se de uma mistura de dióxido de carbono, hidrogénio e oxigénio. Alimentos de boa qualidade são essenciais para o sucesso das missões espaciais Getty Images A febre espacial está chegando em alta velocidade. Nos próximos dois anos, a NASA pretende enviar astronautas de volta à Lua, no seu programa Artemis. A Estação Espacial Internacional (ISS), projetada para permanecer em órbita por 15 anos, está completando 26 anos e será substituída em breve. Os cientistas estão examinando seriamente a possibilidade de missões tripuladas ao espaço profundo. E a isto junta-se o aumento da oferta de projetos turísticos, que pretendem lançar indivíduos cheios de dinheiro à descoberta do espaço. Com tudo isso, esse escritor gastronômico tem uma pergunta: o que comeremos quando chegarmos lá? “A comida é algo que mantém os astronautas sãos”, diz Sonja Brungs, vice-chefe de operações de astronautas da Agência Espacial Europeia. “Alimentos bons, apropriados e com muita variedade, adaptados às necessidades individuais dos astronautas, são fundamentais para uma missão bem sucedida no espaço profundo. Acho que as pessoas subestimam a importância disto.” Atualmente, os astronautas recebem pequenas sacolas de alimentos contendo refeições já preparadas. Empresas especializadas na produção de alimentos preparam essas refeições, que são congeladas, desidratadas ou termoestabilizadas. Os astronautas adicionam água para aquecer ou resfriar os alimentos e comê-los. E também podem trazer uma refeição especial que lembre a casa – e que também precisa ser cuidadosamente formulada e termoestabilizada. Mas existem alimentos que não são adequados. Alimentos que soltam migalhas, como pão, não podem ser levados para o espaço. As migalhas podem facilmente ficar suspensas no ar em um ambiente de baixa gravidade. Como resultado, eles podem ser inalados ou entrar em equipamentos vitais. O sal é limitado porque o corpo armazena sódio no espaço de maneira diferente, causando osteoporose acelerada. E o álcool também não é permitido, pois prejudica o sistema de reciclagem de águas residuais da ISS. “A novidade é certamente um problema”, explica Brungs. “Os astronautas que estão no espaço há apenas seis meses já sentem falta da textura e da crocância. É muito importante para o bem-estar mental ter uma variedade de texturas e, especialmente em missões no espaço profundo, ter uma variedade de alimentos para comer. ” Em 2021, a NASA lançou o Deep Space Food Challenge. O objetivo é descobrir novas formas de criar alimentos no espaço com recursos limitados, produzindo o mínimo de desperdício, e também fornecer alimentos seguros, nutritivos e saborosos que possam ser utilizados em missões de longa duração no espaço profundo. Com sede em Helsínquia, na Finlândia, a Solar Foods é uma das oito empresas que chegaram à fase final do desafio. Seu conceito é notável: usar detritos espaciais para criar proteínas. “Quase literalmente criamos alimentos a partir do ar”, orgulha-se o vice-presidente de Espaço e Defesa da Solar Foods, Arttu Luukanen. A sua empresa descobriu um micróbio comestível no interior da Finlândia, que cresce alimentando-se de uma mistura de dióxido de carbono, hidrogénio e oxigénio. O resultado é uma fonte de proteína proveniente de bactérias. Esta proteína pode ser misturada com vários sabores ou texturas para criar muitos tipos de alimentos nutritivos, como massas, barras de proteína, alternativas à carne e até mesmo um substituto do ovo. “Começamos a pensar na comida espacial porque em qualquer habitat do espaço existem dois gases residuais principais: hidrogénio e dióxido de carbono”, explica Luukanen. “Ou seja, o que realmente estamos falando aqui não é apenas uma tecnologia de fabricação de alimentos para o espaço, mas algo que será parte integrante do controle ambiental e do sistema de suporte à vida”. A proteína da Solar Foods pode ser transformada em pasta ou pó e misturada com farinha e ingredientes alimentares mais comuns para criar alimentos fortificados com proteínas, como massas, barras de proteína e até chocolate. Continuam os experimentos para descobrir se a proteína pode ser misturada com óleos e transformada em algo com a textura de um bife, usando uma impressora 3D. Alimentos frescos também estão sendo considerados. Os comprimidos de vitaminas podem ajudar, mas os astronautas precisam de produtos frescos. Continuam os experimentos para estudar como cultivar hortaliças em um ambiente único, sem gravidade e sem luz solar. A ISS tem a bordo sua própria pequena horta, conhecida como Veggie. Nele, os astronautas estudam o crescimento das plantas em condições de microgravidade. De volta à Terra, a empresa Interstellar Lab, de Merritt Island, Flórida (Estados Unidos), desenvolveu um sistema biorregenerativo modular para produzir microverdes, leguminosas, cogumelos e até insetos. A empresa é outra finalista do Deep Space Food Challenge, ao lado da Enigma of the Cosmos, de Melbourne, na Austrália, que está desenvolvendo uma forma de cultivar microverdes de forma eficiente no espaço. Um ponto que parece provável é que o futuro da nutrição espacial incluirá fungos. Três das seis empresas finalistas do desafio da NASA trabalham em ideias relacionadas. Uma delas é Mycorena, de Gotemburgo, na Suécia. Ela desenvolveu um sistema que utiliza uma combinação de microalgas e fungos para produzir uma micoproteína – um tipo de proteína originada de um fungo, frequentemente utilizada em produtos alternativos à carne. “Os fungos são muito versáteis”, explica Carlos Otero, que trabalha na equipe de Pesquisa e Desenvolvimento do Mycorena. “Eles podem crescer em diferentes substratos, crescem rapidamente, e você pode projetar um sistema pequeno e eficiente que pode produzir comida suficiente para a tripulação. E eles também são muito robustos, residentes na radiação e facilmente armazenados e transportados.” Todos esses alimentos espaciais ficam em um sistema circular e de circuito fechado. Inclui um produto final que pode ser impresso em 3D para criar o alimento, com textura aproximada de um filé de frango. Outro benefício é que sua fonte proteica contém todos os aminoácidos essenciais ao funcionamento do corpo humano. À medida que crescem as oportunidades para as empresas privadas entrarem na corrida espacial, as oportunidades para os chefs privados também aumentam. Rasmus Munk, do restaurante Alchemist, com estrela Michelin, em Copenhague, na Dinamarca, é um dos muitos chefs prontos para a decolagem. Munk anunciou recentemente uma parceria com a empresa de turismo espacial SpaceVIP para fornecer uma experiência gastronômica envolvente na espaçonave Netuno da empresa espacial Space Perspective. As passagens custam US$ 495 mil (cerca de R$ 2,6 milhões) por pessoa, para uma viagem de seis horas ao espaço. Munk é um dos muitos chefs que vêem potencial em servir turistas ricos em voos espaciais comerciais. É fácil imaginar que esse tipo de desenvolvimento é apenas para os pouquíssimos que podem pagar a viagem (ou para aqueles que decolam como astronautas). Mas o desenvolvimento de alimentos espaciais não envolve apenas o que comeremos em gravidade zero, mas também o que poderemos acabar consumindo em nosso próprio planeta. O Deep Space Food Challenge da NASA também foi projetado para criar sistemas alimentares avançados que nos beneficiem na Terra. Oferecerão novas formas de produção de alimentos em ambientes extremos e em áreas com recursos escassos. “Enfrentamos grandes desafios decorrentes das alterações climáticas, nomeadamente em relação às secas, que influenciam a nossa capacidade de produção alimentar”, explica Luukanen. “O espaço coloca-nos num teste final, onde utilizamos recursos considerados resíduos de outras atividades e os transformamos em produtos de valor acrescentado. É uma filosofia de economia circular. A Terra é a melhor nave espacial em que já viajamos e os seus recursos são limitados. ” Para a Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento de Mycorena, Kristina Karlsson, o mesmo princípio se aplica: “Nosso projeto visa a eficiência de recursos, na Terra e no espaço”. “Quase não há emissões e quase não há desperdício. O espaço é apenas um ambiente extremo onde você pode testar o desenvolvimento desse tipo de projeto. Se funcionar lá, funcionará na Terra.” A terceira fase do desafio da NASA está em andamento neste verão. Ele pretende realizar mais testes de funcionamento desses projetos em condições semelhantes às do espaço. É algo para observar com atenção. Afinal, embora seja quase certo que estes alimentos inovadores farão parte do perfil nutricional dos astronautas no espaço, também parece provável que irão influenciar a nossa dieta na Terra no futuro.
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