O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara a primeira reforma do Cadastro Único dos últimos 14 anos. O banco de dados é a porta de entrada para quase 2 mil benefícios sociais em todo o Brasil, incluindo o Bolsa Família e a tarifa social de energia elétrica.
O cadastro traz um raio X de quem são e como vivem as famílias mais vulneráveis do Brasil, que abrangem 94 milhões de pessoas – quase metade da população brasileira. Com base em suas informações, o governo federal desembolsa pelo menos R$ 280 bilhões em políticas sociais por ano.
Os dados também servirão como critério para concessão de cashback, mecanismo de restituição de impostos para famílias de baixa renda criado pela reforma tributária. A reforma entrará em vigor a partir de 2026 e prevê a restituição parcial ou total dos impostos incidentes sobre alimentação, botijões de gás e serviços de água e esgoto.
O novo sistema deverá entrar em operação na segunda quinzena de março de 2025. A mudança tem o potencial de melhorar a qualidade das informações cadastrais e garantir que os benefícios realmente cheguem a quem mais precisa deles, preenchendo lacunas que atualmente facilitam o acesso de pessoas que não cumprir as regras, gerando pagamentos indevidos.
Será uma mudança única e fundamental, para todos os municípios ao mesmo tempo, diferente do que aconteceu em 2010, quando a implementação do novo sistema foi gradual e levou quatro anos para ser concluída.
A mudança está sendo preparada desde 2023 e ocorre no momento em que o governo inicia um programa de revisão de gastos, numa estratégia de redução de despesas e do prejuízo das contas públicas. O plano inclui um pente fino no BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência.
A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), Letícia Bartholo, afirma à Folha que o novo sistema permitirá interligar diferentes bases de dados do governo federal e automatizar processos que são atualmente feito à mão.
É mais do que uma integração com outras bases governamentais: agora, elas serão interoperáveis, jargão técnico que significa possibilidade de comunicação direta e online.
Hoje, é como se cada um desses bancos de dados estivesse armazenado isoladamente em um computador. Com isso, o governo precisa parar o CadÚnico por até 4 dias para importar manualmente dados de outros cadastros e fazer verificações que permitam, por exemplo, saber se há alguém com renda superior à permitida para receber benefícios.
A greve tem impacto no fim, pois os assistentes sociais ficam sem acesso para prestar cuidados e cadastrar novas famílias. Por conta disso, a rotina de atualização é realizada em intervalos maiores, dependendo do caso, a cada trimestre.
A integração acabará com o isolamento e permitirá a troca de informações online. Essa conversa será realizada entre o CadÚnico e mais de 20 bases de dados do governo federal.
“Vamos ter um Cadastro Único em comunicação online direta com a base de óbitos, a base de emprego, a base de benefícios previdenciários. Tudo estará online. É uma medida de qualificação estrutural”, afirma Bartholo.
Hoje, os dados de óbitos brasileiros são inseridos no registro a cada três meses. Caso algum beneficiário venha a falecer nesse intervalo, os pagamentos serão mantidos até que a atualização seja feita. O novo sistema irá automatizar esse processo e reduzir o intervalo.
Os assistentes sociais ao final também terão mais ajuda no preenchimento automático de partes do formulário e poderão verificar a regularidade de um CPF em tempo real.
Hoje em dia, a atualização manual do registo permite, por exemplo, registar uma pessoa falecida. A partir da mudança, ao inserir o CPF de uma pessoa falecida, o sistema nem permitirá o cadastro.
Os dados do CadÚnico são coletados pelos municípios nos Cras (Centros de Referência de Assistência Social), onde o responsável pela família responde a um questionário. Hoje, 40 mil agentes estão capacitados para operar o sistema e receberão treinamento em três níveis: básico, intermediário e avançado.
Os treinamentos serão online, uma inovação em relação ao modelo atual, que prevê aulas presenciais. O governo avalia que as aulas remotas darão maior agilidade às operadoras e às próprias prefeituras, pois atualmente é um desafio viabilizar a capacitação presencial, mesmo diante da alta rotatividade de agentes nos municípios. Somente aqueles que concluírem o treinamento terão acesso ao sistema de inscrição.
O novo CadÚnico é um dos pilares de uma série de transformações que o governo promove após a desfiguração do cadastro durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), após a criação do Auxílio Brasil.
O desenho do benefício, que pagava um valor mínimo independentemente do número de pessoas na família, incentivou a divisão artificial das famílias e converteu o cadastro em cadastro individual, sem o mapeamento preciso das vulnerabilidades das famílias ou o diagnóstico correto de sua situação. situação socioeconómica.
No final de 2022, o número de famílias unipessoais explodiu e atingiu 5,4 milhões, o triplo dos 1,8 milhões observados em 2020. Após um esforço de regularização, as famílias unipessoais caíram para 3,4 milhões em 2024, mas o número ainda é elevado.
Neste plano de transformação cadastral, o governo também pretende atualizar as questões do questionário, mas esta etapa só deverá ser implementada daqui a dois anos. Outras iniciativas, por sua vez, já foram lançadas, como o Índice de Vulnerabilidade Familiar do Cadastro Único, denominado IVCad.
A ferramenta serve de farol sobre a situação de vida das famílias, baseada em 40 indicadores divididos em seis dimensões: necessidade de cuidados, primeira infância, crianças e adolescentes, qualificação profissional e de adultos, disponibilidade de recursos e condições de moradia.
A partir dos dados é possível saber quantas famílias do CadÚnico vivem nas ruas ou em casas improvisadas, ou têm crianças, adolescentes ou idosos entre seus membros. O instrumento permite fazer seleções por região, estado ou município.
“Cada dimensão reflete o desempenho de uma política pública, ou uma política pública mais específica que pode atingir [às famílias]. Queremos ser um farol para diferentes políticas. É um índice sintético que varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior é a situação de vulnerabilidade”, afirma Joana Costa, diretora do Departamento de Monitorização e Avaliação da Sagicad.
Segundo ela, com o IVCad é possível identificar regiões onde determinadas políticas são mais demandadas pelas famílias vulneráveis.
Outra ferramenta que ajudará a realizar esse mapeamento é a nova versão do Mops (Mapas Estratégicos de Políticas de Cidadania), atualizado com a grade de domicílios do Censo Demográfico 2022.
A plataforma permite localizar geograficamente cada família cadastrada no CadÚnico, além de indicar onde estão localizados equipamentos públicos como escolas, unidades básicas de saúde e hospitais. A atualização é fundamental para ter um quadro confiável e, assim, identificar bolsões de vulnerabilidade com maior precisão.
“Poderemos ter, por exemplo, informações sobre onde há maior densidade de famílias com cadastro desatualizado”, afirma o diretor do Departamento de Gestão da Informação, Davi Lopes Carvalho. Os dados também podem orientar decisões de políticas públicas.
Veja as políticas implementadas a partir do Cadastro Único
As regras gerais do Cadastro Único prevêem a inclusão de famílias que vivem com renda mensal de até meio salário mínimo (atualmente equivalente a R$ 706) por pessoa. Famílias com renda acima desse valor podem ser cadastradas para participar de programas ou serviços específicos. Algumas apólices também seguem regras próprias para concessão do benefício.
Programa de transferência de renda voltado para famílias com renda mensal de até R$ 218 por pessoa. O Orçamento de 2024 reserva R$ 168,6 bilhões para política.
O Benefício de Prestação Continuada é pago a idosos com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência de qualquer idade, com renda mensal de até ¼ do salário mínimo por pessoa (atualmente equivalente a R$ 353). O gasto previsto para este ano é de R$ 111,5 bilhões.
Auxílio Gás para Brasileiros
O benefício é pago às famílias cadastradas no CadÚnico, em valor equivalente a 50% do preço médio do botijão de gás de 13 quilos. A transferência é feita a cada dois meses.
Famílias de baixa renda têm descontos entre 10% e 65% na conta de luz. Para indígenas e quilombolas, a redução pode chegar a 100%.
Instrumento de restituição de impostos pagos sobre contas de luz, água, botijões de gás e itens de supermercado. Ele entrará em vigor após a implementação da reforma tributária, a partir de 2026. Terão acesso ao benefício famílias com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa inscrita no Cadastro Único.
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