As chuvas e enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em maio causaram danos sem precedentes ao Poder Judiciário do Estado.
- Acompanhe a cobertura da reconstrução do Rio Grande do Sul após as enchentes
Todos os seis tribunais e instituições judiciárias sediadas em Porto Alegre tiveram suas instalações afetadas pelas enchentes do Lago Guaíbaparcialmente submerso por quase duas semanas.
A sede de Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS)na Praia de Belas, bairro às margens do Guaíba, foi duramente atingida, com alguns pontos externos sob cerca de dois metros de água.
“Nosso sistema é eletrônico, os processos são todos online e nossa sala segura ficava debaixo d’água”, disse o desembargador Alberto Delgado Neto, presidente do TJ.
Os dados foram transferidos para a sede do novo fórum vizinho à sede, que conta com uma sala segura no sétimo andar.
Quando a água baixou, o que sobrou foi lama, móveis tombados, peixes nas áreas internas e uma série de danos a serem reparados. Hoje, o prédio está limpo, mas sofre constantes cortes de energia. O centro de abastecimento interno está se recuperando.
A obra migrou para o prédio histórico do Palácio da Justiça, que fica no ponto mais alto do centro histórico da capital. “A administração criou o gabinete de crise aqui neste edifício, onde estamos até hoje”, disse Delgado.
A A previsão é que o retorno possa ocorrer em meados de agosto, que será apenas parcial. “Demora cerca de dez meses para que o edifício volte completamente ao que era antes da calamidade.”
Os danos físicos e a dificuldade de mobilidade em todo o estado também forçaram uma mudança no sistema judiciário.
Com a necessidade de manter o serviço ativo, a migração de 10,3 milhões de processos para armazenamento em nuvem foi concluída em duas semanas. “Essas medidas permitiram que nosso sistema nunca ficasse offline”, disse o juiz.
A enchente é o terceiro grande problema a provocar mudanças internas no TJ-RS nos últimos anos.
Em 2020, as restrições pandémicas levaram à aceleração de um projeto de virtualização processual previsto para oito anos, concluído em dois. Em 2021, um ataque hacker sofrido pela Justiça causou danos às máquinas, embora sem perda de dados. Na época, o investimento em segurança cibernética aumentou.
A poucas quadras da sede do TJ-RS, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4)o juízo responsável pela Justiça Federal dos três Estados do Sul, teve danos nas redes elétrica, hidráulica e telefônica, além dos elevadores.
Servidores e magistrados trabalhavam remotamente, e o atendimento presencial no órgão só foi retomado nesta segunda-feira (22).
Com a inundação da sede, o sistema eletrônico do TRF-4 ficou desligado por 18 dias. Em regime de home-office, no período, foram distribuídos 206 processos. O ajuizamento das ações era feito por meio do celular, e o plantão era hospedado no sistema eproc do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Ó Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) teve os maiores prejuízos processuais, com a inundação do pavilhão do arquivo geral do órgão, na zona norte de Porto Alegre.
Dos 2,5 milhões de processos físicos, mais de um milhão foram alcançados, arquivados provisoriamente ou definitivamente. Com o alto nível das águas na região, o prédio só pôde ser acessado quase 30 dias após a enchente.
A água, que atingiu 2,4 metros de profundidade na parede, danificou parte do acervo de caixas datadas de 1935 a 2000, que foram reconhecidas com o selo Memória do Mundo da UNESCO por sua importância histórica.
Um grupo de trabalho judicial, com a ajuda do Arquivo Nacional, trabalha na recuperação de arquivos molhados, sujos de lama, óleo e matéria orgânica.
Embora a maior parte do acervo seja de natureza histórica, as inundações podem causar danos contemporâneos. Segundo o TRT-4, chegam ao tribunal mais de cem pedidos de consulta de processos arquivados por semana.
No Tribunal de Justiça Militar, invadido por 1,5 metro de água e um dos últimos pontos a serem liberados na região central, o arquivo judicial e o transformador central de energia foram afetados. O atendimento presencial foi totalmente retomado no dia 25 de junho.
No prédio do setor de auditoria, do outro lado da rua, a água atingiu 1,3 metro, causando perda de computadores, televisores e eletrodomésticos. O prédio ainda está inutilizável.
No total, foram perdidos 35 computadores – cerca de 25% do total de equipamentos de toda a Justiça Militar do Estado.
As quadras foram inundadas no dia 6 de maio, quando o Guaíba atingiu o nível mais alto já registrado, e o sistema de bombeamento de água dos bairros Praia de Belas e Menino Deus falhou, fazendo com que a água subisse rapidamente.
A enchente também atingiu a sede da Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS)a Defensoria Pública, o prédio da Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS)que está em construção e sede provisória da instituição.
“O sistema judicial estava submerso”, disse Leonardo Lamachia, presidente da OAB-RSque tinha uma sede inundada na cave e primeiro andar e outra com acesso isolado.
No interior do Estado, a enchente dos afluentes do Guaíba devastou seis bairros do interior: Arroio do Meio e Estrela no Vale do Taquari, São Sebastião do Caí e Feliz no Vale do Caí e Igrejinha no Vale do Paranhana.
Em Estrela, uma das cidades mais afetadas pela tragédia, o fórum já se prepara para mudar do endereço atual para um novo terreno disponibilizado pela prefeitura. Segundo a administração municipal, a cidade teve 75% do seu território alagado.
A mudança já estava prevista após os estragos causados pela enchente do Rio Taquari em setembro de 2023, e deve ser acelerada após os estragos de maio, quando a água atingiu o teto do segundo andar.
Temporariamente, funcionários do município trabalham no Fórum Trabalhista da cidade. O fórum do vizinho Arroio do Meio, inundado em todo o primeiro andar, deverá voltar ao funcionamento normal até o final de agosto.
Outra cidade que terá mudança na sede do fórum é São Sebastião do Caí. O térreo do atual edifício ficou submerso quando o rio Caí atingiu 17,6 metros, o nível mais alto de sua história. O órgão já havia sido alagado em novembro, quando o rio atingiu os 16 metros, naquela que foi até então a maior enchente da cidade. O registro durou menos de seis meses.
“A primeira inundação [em novembro] Surpreendeu a todos, ninguém esperava que a água chegasse ao fórum”, disse a juíza distrital, Priscila Anadon Carvalho.
Houve danos na rede elétrica e no sistema de internet, e o prédio ficou sem elevador por seis meses. “Quando os subcontratados estavam prestes a terminar os reparos, fomos atingidos pela enchente de maio”.
Nas duas ocasiões, o fórum ficou fechado por quase um mês, com atendimento restrito a telefone, e-mail e WhatsApp.
Com a proximidade da água, foi feito um esforço conjunto para retirar o máximo possível do piso térreo e levá-lo para os pisos superiores. “Subimos nos móveis sem acreditar que a enchente voltaria a atingir o fórum, mas infelizmente foi o que aconteceu, e em proporções maiores que da primeira vez”.
O fórum já está reaberto, com atendimento e audiências normais. Como o primeiro andar ainda precisa de reformas, alguns servidores foram transferidos para salas localizadas em outros andares.
Segundo o desembargador Alberto Delgado Neto, que chefiou uma delegação de visitas aos distritos do interior, a justiça gaúcha se prepara para a mudança nas atividades em locais de risco.
“Dentro dos estudos científicos sobre o clima, não será um evento isolado. É provável que isso aconteça com muito mais frequência, por isso não construiremos ou reconstruiremos onde há possibilidade de inundações”.
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