O cooperativismo brasileiro vem passando por um boom, com aumento no número de associados, funcionários, valor dos ativos e distribuição de “excedente” (lucros). No ano passado, o setor cresceu cerca de 10%, contra um aumento de 2,9% do PIB. Segundo os dados mais recentes da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), as transações financeiras atingiram R$ 655,5 bilhões em 2022. A OCB espera que o setor movimente R$ 1 trilhão em três anos. “O bom momento tem a ver com o agronegócio, mas não só. Recentemente, o setor de crédito está impulsionando a alta”, afirma Luís Miguel dos Santos, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, que coordena um grupo de estudos sobre cooperativas. “Temos boas notícias vindas da agricultura familiar, que está se organizando no Nordeste, em estados como Ceará e Bahia, estendendo as fronteiras do movimento para além do Sul.”
A superintendente da OCB, Tânia Zanella, comemora a fase do movimento. “Acredito que, neste mês, estamos chegando a 21 milhões de cooperados”, afirma, citando avanços em governança e inovação. “Nas grandes cooperativas agrícolas, a separação das funções do conselho de administração e da diretoria executiva tem ocorrido e está agilizando as operações. Isso já é uma realidade na saúde e no crédito, e agora está acontecendo cada vez mais no setor agrícola para que possa acompanhar o dinamismo do mercado de commodities”, afirma.
A OCB estima que as cooperativas distribuíram quase R$ 40 bilhões em excedentes aos cooperados em 2023, 5% acima do registrado no ano anterior.
Os setores regulados, saúde e crédito estão sendo solicitados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pelo Banco Central (BC) a melhorar seus processos, o que, segundo Zanella, acaba influenciando outros ramos a fazerem o mesmo, melhorando a gestão. “A regulamentação está elevando o nível”, acrescenta ela.
Comparados a países que são referências mundiais na área, porém, os números brasileiros ainda são tímidos. Em França e em Itália, a percentagem da população envolvida no cooperativismo ronda os 40%. No Brasil, a participação é de 10%, abaixo da média mundial, que é de 12%. Além disso, a receita das cooperativas em relação ao PIB é maior nestes países. Na Nova Zelândia, por exemplo, chega a 20%.
O pesquisador Chrystian Biscaro, também da UEL, defende que uma das formas de impulsionar o movimento passa pelas compras institucionais. “Políticas públicas que dessem preferência a produtos e serviços cooperativos, inclusive aqueles comprometidos com a sustentabilidade, ajudariam. Assim, o governo incentiva o crescimento orgânico do setor”, argumenta. Estudiosos apontam que outra tarefa importante seria atualizar a legislação. A lei que regulamenta o segmento, de 1971, exige pelo menos 20 cooperados para abrir uma cooperativa. Nos países de referência, duas ou três pessoas são suficientes, em média.
Líderes em faturamento, as maiores cooperativas agropecuárias estão concentradas no Paraná, onde respondem por 60% da produção. A Frísia, a mais antiga do estado, foi fundada por famílias holandesas que vieram ao Brasil para trabalhar nas ferrovias da English Brazil Railway Company, em 1911. Hoje, é uma gigante que ultrapassou os limites da agricultura para atuar no áreas de logística, combustíveis, meio ambiente e soluções digitais. Há oito anos, inaugurou sua primeira unidade no Matopiba (confluência do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e, em 2022, a segunda, marcando presença na nova fronteira do agronegócio.
Neste ano, obteve financiamento de R$ 40 milhões do BNDES para ampliar e modernizar três armazéns de grãos. A falta de silos no país afeta a cadeia de grãos. “Teremos uma ampliação da capacidade produtiva, o que nos dará segurança e previsibilidade. Além disso, quando produzimos mais, há impacto no consumidor final, que tem acesso a uma gama maior de produtos”, afirma Mario Dykstra, superintendente. Com 1.084 associados, a Frísia atingiu receita bruta de R$ 6 bilhões em 2023, resultado que Dykstra atribui à fidelização dos associados.
Teremos uma ampliação da capacidade produtiva, o que nos dará segurança”
—Mario Dykstra
Dono da maior rede de serviços bancários do país, o Sistema Cooperativo Financeiro Brasileiro (Sicoob) lidera o setor financeiro com 331 cooperativas e 4,6 mil agências espalhadas por todos os estados. Marco Almada, CEO da organização, confirma que os ventos sopram a favor. “Estamos saindo de três anos de escalada muito forte. A taxa composta de crescimento anual é de cerca de 20%. Acho que estamos a meio caminho, caminhando para o teto das cooperativas de crédito”, afirma Almada. Para ele, 20% de market share é a participação máxima que o setor pode captar no Brasil, como ocorreu em países de referência.
O executivo afirma que a tecnologia é uma das ferramentas que estão ajudando a alavancar a rede. “Temos um super aplicativo com mais de 300 funcionalidades. Não ficamos nada atrás em relação ao nível de digitalização dos maiores bancos do país. Hoje em dia não adianta ter apelo comercial sem oferecer praticidade”, enfatiza.
Cerca de 92% das transações dos associados do Sicoob são feitas digitalmente, principalmente transferências de recursos. A menor parte, realizada em agências físicas, envolve operações de alto valor agregado, como a contratação de crédito. O Sicoob também possui um aplicativo para participação em reuniões online.
Na área de infraestrutura, a geração e distribuição de energia renovável para autoconsumo é a razão da expansão de dezenas de cooperativas pelo país. Em Maturéia, na Paraíba, o desejo da comunidade de viabilizar um modelo alternativo de geração para o mercado livre resultou na fundação do Bem Viver, em 2021. Instalada na zona rural, com apoio da organização católica Misereor, da Alemanha, a fábrica de placas A associação Solar tem 22 membros.
“Não queremos apenas economizar na conta de luz. Nosso modelo justo é a saída para a crise climática e queremos que a energia produzida aqui fique aqui, no nosso território”, enfatiza José de Anchieta, um dos idealizadores do projeto. Os cooperados, que se comprometeram a doar placas para aumentar a geração e ajudar os agricultores camponeses, estão prestes a inaugurar uma nova minifábrica em Várzea, também na Paraíba. A energia solar do Bem Viver II beneficiará assentados da reforma agrária.
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