A parcela de brasileiros que se consideram muito endividados atingiu em maio o maior nível em sete meses. É o que mostra trecho da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgada ao Valor.
Globalmente, a proporção dos muito endividados subiu para 17,8% em maio, face a 17,2% em abril, o que representa o nível mais elevado desde outubro de 2023 (18,1%). Além disso, após dois meses sem aumento, uma parcela representativa daqueles que têm mais de 50% de sua renda comprometida com dívidas, os chamados “superendividados” – incluídos entre aqueles que se declaram “muito endividados” no Peic – aumentou de novo. No geral, essa participação aumentou de 20,7% para 20,8% entre abril e maio, a maior desde fevereiro (21,1%), segundo o economista Izis Ferreira, responsável pelo estudo.
O levantamento CNC não costuma ter grandes saltos percentuais de um mês para o outro. É uma pesquisa que não possui desvio padrão alto. Portanto, as mudanças em temas relevantes, como o sentimento da dívida, são acompanhadas de perto pelos analistas. Para Ferreira, o cenário reflete um maior impulso dos brasileiros, ao longo deste ano, para acessar diferentes modalidades de crédito, a taxas de juros mais favoráveis em relação aos mesmos meses do ano passado.
Especialistas consultados por Valor estão divididos ao avaliar o aumento do número de pessoas altamente endividadas como perigoso para os indicadores de dívida e inadimplência nos próximos meses. Embora o mercado de trabalho continue forte, o que favorece a renda e a capacidade de pagamento, há outro fator importante a considerar: os juros. Para o analista, a evolução de quem está muito endividado vai depender da trajetória da taxa básica de juros. Se a Selic voltar a subir em 2025, isso deverá estimular o mercado a aumentar os juros e, com isso, o custo do crédito. Neste cenário, o serviço da dívida dos “sobreendividados” pode tornar-se mais caro e difícil de pagar, alimentando um aumento dos incumprimentos.
O avanço de grupos altamente endividados e sobreendividados ocorreu num contexto em que a inadimplência, no seio das famílias, parece estar relativamente controlada. No May Peic da CNC, a proporção de devedores com dívidas pendentes manteve-se em 28,6% entre abril e maio, inferior à observada em maio do ano passado (29,1%).
O Banco Central divulgou no dia 26 de junho o Relatório de Crédito, no qual informa que a inadimplência média nas operações de crédito entre as famílias foi de 3,7% em maio, estável em relação a abril.
Tanto na perspectiva do CNC como do BC, o nível médio de endividamento das famílias apresentou um ligeiro aumento. No âmbito da CNC, a parcela que se declarou endividada passou de 78,5% para 78,8% entre abril e maio. Na perspectiva do BC, para o endividamento das famílias, o dado de abril – o mais recente – foi de 47,9%, aumento de 0,01 ponto percentual em relação ao mês anterior. Além disso, no caso da pesquisa do BC, a parcela da renda familiar comprometida com dívidas era de 26,6% em abril. Além de ser superior ao de março (26,2%), foi o maior desde outubro do ano passado (27%).
“O que temos aqui é a utilização mais frequente de crédito de longo prazo, como crédito consignado e financiamento imobiliário e automotivo, além de outras modalidades de dívida”, diz Ferreira.
O economista da CNC admite que as taxas de juro de qualquer tipo de financiamento, em geral, continuam elevadas. Mas ela observa que estão mais convidativos do que no primeiro semestre do ano passado. Ela lembra que o BC começou a cortar a taxa Selic em agosto do ano passado e que há uma defasagem no impacto do corte da taxa em relação aos juros praticados no mercado. Com a Selic mais baixa, bancos e instituições financeiras ofereceram empréstimos consignados e financiamentos imobiliários com taxas mais atrativas ao longo de 2024, explica Ferreira – o que despertou o interesse dos tomadores de crédito, já endividados com outras obrigações.
Essa combinação ajudou a aumentar o endividamento familiar, analisou ela, e impulsionou o sentimento de estar “muito endividado” dos brasileiros, explicou.
“As concessões de crédito crescem mais para pessoas físicas do que para pessoas jurídicas”, comenta. “As pessoas não deixaram outros tipos de dívida, continuam a ter dívidas de cartão de crédito; e obtive ainda mais crédito de longo prazo.” O economista não classifica a situação como preocupante neste momento. Mas ela ressalta que esse perfil altamente endividado deve ser monitorado. “Mas poderíamos estar em melhores condições? A resposta é sim.”
Rodolfo Margato, vice-presidente de Pesquisa Econômica da XP Investimentos, concorda. “Se a dívida aumenta, isso favorece o chamado sobreendividamento”, enfatiza.
Margato destaca ainda a importância das mudanças na trajetória das taxas de juros para a evolução da dívida e do superendividamento. “Do ponto de vista do planejamento ou das necessidades de muitas famílias que não são poupadoras e, portanto, precisam se endividar, essas mudanças [nos juros] em um período de tempo relativamente curto, geralmente provocam piora em termos de previsibilidade, planejamento financeiro individual ou familiar”, afirma.
O especialista da XP também cita os dados do BC sobre o endividamento das famílias como mais um motivo para acompanhar com atenção a evolução dos chamados superendividados nos próximos meses. Para ele, mesmo com melhorias em relação a períodos semelhantes do passado, as famílias ainda apresentam um elevado nível de endividamento. “E o custo dessa dívida tende a ser maior do que imaginávamos há alguns meses, devido à interrupção do ciclo”, reitera, referindo-se à recente parada do BC no corte da taxa Selic.
O cenário pode piorar se as taxas de juros continuarem altas ou subirem novamente”
-Felipe Salto
Outro aspecto mencionado por Margato é o fato de que a percepção de risco do mercado também afeta a oferta e o nível de juros dos empréstimos às famílias. Recentemente, tem havido muito ruído na comunicação entre mercado, governo e BC sobre taxas de juros. Não é apenas o ciclo da taxa Selic que ajuda a aumentar o custo do crédito, argumenta. “É também a percepção de risco, maior ou menor, que está embutida nas taxas de juros dos fornecedores do mercado de crédito.”
Questionado se o cenário pode levar a um agravamento da inadimplência no médio e longo prazo, Margato é cauteloso. Ele lembra que o mercado de trabalho, com boa oferta de emprego e aumento de renda – e, portanto, maior espaço orçamentário – oferece um bom suporte para a capacidade de pagamento das famílias. Para ele, a acomodação dos indicadores de crédito, como concessões e inadimplência, é mais provável do que a deterioração aguda ou a melhoria contínua observada entre o terceiro trimestre de 2023 e o segundo trimestre de 2024.
Ele admite que o cenário atual favorece o aumento do número de pessoas altamente endividadas e superendividadas nos próximos meses.
Raquel Borges de Sá, chefe de economia e chefe de conteúdos da Rico, também prevê um “travão”, dentro de alguns meses, na melhoria dos níveis de endividamento. “É um cenário muito cauteloso”, diz ela. Ela considera que, além da situação dos juros, outro aspecto importante para entender o desenvolvimento do superendividamento no país é a falta de educação financeira entre os brasileiros. Sá lembra que não é incomum um devedor contrair um empréstimo sem perceber o custo da dívida no longo prazo. Isto porque há pouco conhecimento sobre o impacto dos juros no serviço da dívida. Ela acrescenta que o BC tem criado iniciativas para aumentar a educação financeira.
Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos, acrescenta que, além das estratégias de educação financeira do BC, o governo tem estado atento à evolução do endividamento e do superendividamento. A União estabeleceu estratégias de negociação da dívida, como o programa Desenrola; e também decisões via Conselho Monetário Nacional (CMN), lembre-se, como os juros acumulados no cartão de crédito não podem ultrapassar o valor do principal da dívida.
Os cartões de crédito, aliás, são outro grande fator no aumento do número de pessoas altamente endividadas, concorda Saadia. No May Peic, da CNC, foi lembrado por 86,9% dos endividados como a modalidade de crédito mais utilizada. “Os números impressionam, ao comparar o uso do cartão de crédito brasileiro com o de outros países, os brasileiros gastam quase 40% do seu consumo com cartão de crédito”, observa.
Mas, para Saadia, a dívida e a inadimplência não devem disparar e isso se deve a uma mudança no mercado de crédito do país. Os bancos estão, este ano, mais restritivos na oferta de crédito do que no passado e direcionando linhas para mutuários com menor risco de incumprimento. “Os bancos estão cada vez mais inteligentes na liberação de crédito”, diz ela.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, também não acredita que haja perigo de inadimplência no futuro. Mas ele concorda que a evolução dessa situação dependerá da trajetória da Selic. “A inadimplência não deve provocar grandes mudanças, até porque a Desenrola colaborou em uma boa renegociação. E largo também. Mas é claro que o cenário pode piorar se as taxas de juros continuarem altas ou subirem novamente, o que não deve ser descartado, mesmo que eu não acredite.”
consignado para servidor público
empréstimo pessoal banco pan
simulador emprestimo aposentado caixa
renovação emprestimo consignado
empréstimo com desconto em folha para assalariado
banco itau emprestimo