A GloboNews mapeou pelo menos três casos recentes em que mulheres vítimas de violência sexual procuraram hospitais designados como referência pela Prefeitura para abortos e tiveram atendimento negado. A Prefeitura diz que atende às exigências do aborto legal. Mulher vítima de estupro que teve o aborto legal negado em hospital municipal Reprodução/GloboNews Após alegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a recusa em realizar o aborto legal foi “momentânea”, a Prefeitura de São Paulo deixou de realizar outros procedimentos , mesmo com previsão legal, e encaminhou pelo menos dois pacientes para a rede estadual de saúde. Atualmente, o aborto legal é permitido, sem limite de idade gestacional, em três circunstâncias no Brasil: quando a mulher engravida após ser vítima de violência sexual, quando é confirmada anencefalia do feto ou quando há risco de vida da mãe. Entenda o que é o aborto legal e como ele é realizado no Brasil Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em fevereiro deste ano, obrigou a Prefeitura a realizar abortos legais em outras unidades municipais de referência após a suspensão do serviço de aborto de Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da capital, em dezembro de 2023. A unidade foi a única do estado que realizou o procedimento em casos de gestações acima de 22 semanas. A Secretaria Municipal de Saúde diz atender demandas de aborto com base em determinação legal, mas a reportagem da GloboNews mapeou pelo menos três casos recentes em que mulheres vítimas de violência sexual procuraram hospitais designados como referência pela Prefeitura para a realização de abortos e tiveram serviço negado. Duas delas só conseguiram fazer o aborto legal em uma unidade do governo estadual. As vítimas terão sua identidade preservada. Questionado sobre as determinações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para que a Câmara Municipal de São Paulo responda às recusas de aborto, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, afirmou que “o magistrado está não está em condições de definir o serviço melhor do que o médico.” “Não deixamos de prestar assistência ao aborto legal, não deixamos de fazer. Se o procedimento for legal, será feito aqui. Nem o Alexandre do Moraes tem condições melhores de defini-lo do que o médico que está lá na ponta, no dia a dia, com todo o respeito ao nosso ministro Alexandre de Moraes”, disse Nunes. Falta de pessoal Em um deles, um paciente procurou o Hospital Municipal Tide Setúbal, na Zona Leste da capital. Ela foi atendida por um médico, assistente social e psicólogo, e recebeu um coquetel contra doenças sexualmente transmissíveis por causa da violência sexual que sofreu, sendo então informada de que o hospital tinha “falta de pessoal”. Em vez de ser encaminhada para outra unidade municipal, conforme determinação de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, ela foi encaminhada diretamente para o Hospital da Mulher, administrado pelo governo do estado. No encaminhamento obtido pela GloboNews, uma assistente social escreve que a paciente deu entrada no hospital com histórico de abuso sexual, que fez exames que confirmaram a gravidez. Depois, a funcionária indica a mulher para a equipe do Programa Aborto Legal, justificando que a unidade estava sem equipe “no momento”. O hospital mencionado foi o Hospital da Mulher. Mesmo com exames realizados dias antes, a paciente precisou refazê-los e também repetir seu relato à equipe. “Fui informada que os exames que fiz não serviram para o Hospital da Mulher. Só usaram o ultrassom feito dentro da unidade e aí tive que denunciar novamente (a violência sexual). do ocorrido, até porque alguns documentos foram preenchidos”, disse. “É uma situação muito delicada, né? Pelo motivo de eu estar lá e pela forma como fui tratado, estar no primeiro atendimento e depois precisar repetir tudo isso, se eu tivesse tido primeiro suporte lá na primeira vez, a situação seria já foram melhor resolvidos antes. Então acabei passando, digamos, mais 10 dias com esse sofrimento, querendo que acabasse logo, um pesadelo”, completou. A Prefeitura diz atender às exigências do aborto legal (leia mais abaixo). Seis consultas e questionamentos Outro caso mapeado pela GloboNews é o de uma mulher vítima de estupro que demorou mais de um mês para conseguir um aborto legal. Segundo o Projeto Vivas, entidade que atende mulheres que buscam o procedimento, foram realizadas seis consultas na rede municipal, sem sucesso. A primeira consulta foi no Hospital Municipal Campo Limpo, na Zona Sul, quando a assistente social e a enfermeira informaram que ela não poderia realizar o procedimento porque o médico estava de férias. O paciente foi encaminhado ao Hospital Municipal Mário Degni, na Zona Oeste, onde também atua o mesmo médico. Outra consulta foi marcada para a semana seguinte, mas o médico que a atenderia faltou. Na quinta consulta no mesmo hospital, ela é informada pela equipe que um familiar deve “autorizar” o procedimento (o paciente não é menor de idade). Segundo a instituição que a acompanhou, a paciente estava grávida de mais de 22 semanas e durante o processo ouviu diversos questionamentos da equipe médica, como “ninguém faz aborto com gravidez tão avançada”, “já pensou em adoção?”, “muitas mulheres passaram por isso e são mães guerreiras”, “se quiser a interrupção sabe que vai ter que enterrar esse feto”. O procedimento também só foi realizado em uma unidade estadual, no Hospital da Mulher”. Hospital, na semana passada, também compareceu ao Hospital Municipal Mário Degni, na Zona Oeste, no dia 8 de julho. Na época, ela estava grávida de cerca de 12 semanas e foi informada que o local não realizava aborto legal, sem encaminhá-la para nenhum. outro lugar serviço de saúde Mudança no padrão de recusa A defensora pública do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) de São Paulo, Paula Sant’Anna, afirma que sempre houve barreiras para as mulheres vítimas de violência sexual. violência para ter acesso ao aborto. legal na capital paulista, mas destacou que nos últimos meses houve uma mudança na forma de atendimento e encaminhamento dos pacientes que procuram o serviço na cidade. “Constatamos que após a suspensão da assistência ao aborto no Hospital Vila Nova Cachoerinha [em dezembro de 2023]que era referência no atendimento tanto em nível municipal, estadual e nacional, havia mais dificuldades e mais barreiras para que essas mulheres pudessem fazer valer esse direito”, explica. Segundo a defensora, a maioria das mulheres não era conseguindo acessar o serviço por terem gestação acima de 22 semanas, com a alegação de falta de pessoal especializado para realizar o procedimento. Recentemente, o Nudem também passou a receber casos de meninas e mulheres que estão no início da gravidez. , entre 4 e 6 semanas, que não conseguiram acesso ao aborto legal pela mesma justificativa “Algumas dessas mulheres foram encaminhadas para o Hospital da Mulher, que é estatal. Ou seja, não há encaminhamento para outros serviços da cidade. Lembrando que a Prefeitura informa que existem quatro serviços municipais que realizam a interrupção da gravidez em processos judiciais. Mas também há casos de mulheres que não recebem nenhum encaminhamento e só recebem as informações por meio da Defensoria Pública”, acrescenta Paula Sant’Anna. Procurada com as informações citadas acima, a Secretaria Municipal de Saúde informou “que responde ao aborto exige determinação legal e no cumprimento da legislação, reafirmando seu compromisso em acolher a população sem discriminação e com responsabilidade humanitária.” “Conforme determina a lei, os dados sobre a assistência ao aborto legal são protegidos por sigilo, a fim de resguardar o anonimato das pacientes”, afirma a nota. Ricardo Nunes (MDB) responde à pergunta sobre o aborto legal.
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