Episódios de turbulência nos comitês têm sido cada vez mais frequentes e são atribuídos a esta nova forma de fazer política. Os gabinetes agora contam com um profissional ‘sombra’, que acompanha o parlamentar para fazer vídeos e lives. Stand de Selfie: presença nas redes muda a rotina dos parlamentares no Congresso A possibilidade de se conectar de forma fácil e rápida com seu eleitorado mudou a dinâmica de trabalho de muitos parlamentares no Congresso Nacional. Com o passar dos anos, deputados e senadores se profissionalizaram no compartilhamento de seus conteúdos nas redes sociais. Hoje, é extremamente comum ver muitos parlamentares entrando no plenário com microfones de lapela e celulares de última geração para proporcionar ao seu eleitorado vídeos clássicos de selfies. Esse comportamento gerou o apelido “Bancada da Selfie”. Há 10 anos, esse comportamento quase não existia. Para alguns especialistas, até a forma como os parlamentares participam das comissões da Câmara mudou com a hiperconectividade. “Os deputados gravam, filmam, editam e postam nas redes sociais. Alguns deputados não participam de comissões, mas fazem um discurso de 2 minutos, levantam-se e vão embora. Mas eles gravam para colocar nas redes sociais. Não há interação e aquele velho debate político. Acabou. É muito mais um jogo de usar a imagem deles para atingir um suposto eleitorado”, afirma o cientista político Antonio Testa. Para os parlamentares ouvidos pelo g1, a maior participação nas redes é positiva, pois estimula o debate, a troca de ideias e, principalmente, a conexão rápida com os eleitores. Mas, por outro lado, alguns apontam que a prática também incentiva a busca pela “selagem” e, por conta disso, as brigas têm se tornado cada vez mais frequentes. O profissional ‘sombra’ Por trás das publicações rotineiras dos parlamentares está uma equipe de profissionais preparados para captar todo o conteúdo e pensar em estratégias de divulgação nas redes sociais. Com a crescente importância de se tornar relevante nas redes para conquistar o eleitorado, uma função tornou-se essencial dentro das assessorias de comunicação dos parlamentares, é a chamada “sombra”. As “sombras” acompanham deputados e senadores em todas as pautas e têm como principal função fornecer aos eleitores detalhes e detalhes dos bastidores do dia a dia do parlamentar. “Você sempre vê [o sombra] e às vezes você não sabe quem é, mas está sempre lá. Mas tanto que muita gente fala ‘você é conselheiro e tal’. Geralmente não entro muito no alcance das questões dele, porque é isso mesmo, é uma sombra que a gente faz. O objetivo é realmente mostrar aos seus seguidores e eleitores o que ele está fazendo”, explica o assessor parlamentar que atua como sombra no gabinete do deputado Augusto Coutinho (Repúblicanos-PE), Xocolate Magalhães. A assessora diz que já trabalhou como sombra para outros parlamentares e que a procura tem aumentado cada vez mais. “Acho que os eleitores têm uma necessidade, em todo o Brasil, na sua base, de saber o que o parlamento está fazendo aqui em Brasília, e aí isso desperta neles uma curiosidade e isso fez com que os deputados hoje entendessem a necessidade. […] E os eleitores estão curiosos. Não é só aquela coisinha de foto, aquela foto posada, sabe? É conhecer o dia a dia dele dentro da Câmara. E procuro fazer isso com o deputado”, afirmou. Os assessores de redes sociais também esclarecem que a forma como os parlamentares optam por aparecer nas redes sociais varia muito, alguns preferem se ater ao seu dia a dia e às suas agendas, enquanto outros gostam de se posicionar sobre assuntos gerais no Congresso, principalmente os mais polêmicos. No caso da equipe do senador Weverton (PDT-MA), por exemplo, a coordenadora de comunicação Andrea Viana explica que o objetivo central é usar as redes sociais como forma de prestar contas aos eleitores. “Nós nos concentramos em criar uma rede social muito responsável. Então, é uma questão de posicionamento, mas também cabe muito a ele falar sobre o que está fazendo como senador, pelo Estado, votando, com o projeto”, disse Andrea em entrevista ao g1. A assessoria diz ainda que a forma de divulgação do conteúdo também é pensada de acordo com a rede social onde será publicado, para a produção de conteúdo no Tik Tok, por exemplo, ela explica que a equipe teve cuidado na escolha de um profissional mais jovem para pensar sobre o conteúdo. “O estagiário da nossa equipe é o que faz o TikTok. É ele quem tem ideias sobre o que está acontecendo na rede. Então procuramos alguém que seja bem jovem, mas que tenha uma visão política bacana”, disse Andrea. A coordenadora de comunicação destaca ainda que, apesar da preocupação do gabinete com o formato de divulgação do conteúdo, a intenção principal ainda é focar no dia a dia do senador. “Não precisamos continuar inventando produtos. Não é uma coisa falsa. E para as pessoas que trabalham com comunicação e têm experiência no jornalismo, pelo menos para mim, seria muito dramático ter que inventar um produto. Eu não acho isso legal. Então, para nós, esse trabalho é muito tranquilo, porque lidamos com a realidade do mandato dele”, disse o assessor. Andrea diz ainda que a produção de conteúdo nas redes sociais é atualmente o que mais exige e “concentra a energia” da equipe de comunicação, que é formada por cinco pessoas e também cuida, por exemplo, do relacionamento do parlamentar com a imprensa . . Brigas recentes Nesta legislatura, iniciada em 2023, a Câmara colecionou episódios de discussões acaloradas entre parlamentares, preconceito de gênero e até agressões físicas. Em junho, os deputados André Janones (Avante-MG) e Nikolas Ferreira (PL-MG), ambos com milhões de seguidores nas redes sociais, trocaram ataques após o Conselho de Ética decidir arquivar uma representação que investigava a prática de “rachadinhas” em Janones ‘ escritório. Janones troca empurrões com deputados ao final da sessão do Conselho de Ética da Câmara Janones e Nikolas se desafiaram a participar de uma briga fora das dependências da Câmara. Em meio à confusão, a Polícia Legislativa da Casa teve que intervir. André Janones teve que sair escoltado do plenário do colegiado. Também no mês passado, Ferreira se envolveu em um episódio de transfobia durante audiência na Comissão dos Direitos da Mulher. Após discussão entre as deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Julia Zanatta (PL-SC). Nikolas entrou no meio da conversa e atacou: “Pelo menos ela é ela”. A transfobia foi equiparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019. A busca por tensão em troca de curtidas ficou clara na sequência. Ferreira decidiu publicar o vídeo em que cometeu o crime nas suas próprias redes sociais. O vídeo teve 12 milhões de visualizações e 37 mil curtidas. O parlamentar considera seu parecer inviolável. Ferreira já havia respondido a uma ação no Conselho de Ética por discurso transfóbico no plenário da Câmara em 2023. A deputada disse que as mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres. Deputado Nikolas Ferreira vira réu por transfobia O que dizem especialistas e parlamentares Para o cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando, os episódios são “deprimentes, mas reveladores da nossa política atual”. “Redes sociais com transmissão ao vivo, uso de palavrões, busca de agressão física, selamento, entre outros. Esses deputados, independentemente do espectro político, conhecem e sabem utilizar as redes sociais e, ao fazê-lo, convertem seguidores engajados em votos. Depois, como foram legitimados pelo eleitor, levam essa conduta para o centro da política parlamentar”, disse Rodrigo em entrevista ao g1. A deputada Bia Kicis (PL-DF) usa as redes sociais com frequência e acumula milhares de seguidores. Em entrevista ao g1, ela disse que as redes ampliaram o debate “Acredito que houve um aumento exponencial dos debates por conta das redes sociais”, disse ela, os conflitos surgem de uma forte polarização. são vozes dissonantes no Congresso”, disse o deputado. Por outro lado, o deputado Afonso Motta (PDT-RS), argumenta que, na busca por audiência nas redes sociais, os parlamentares acabam buscando aumentar a “tensão”. Menos conteúdo, mais empoderamento”, afirmou o deputado “É do interesse económico que esta tensão se mantenha. O futuro enfrentará esta divisão, que é mais desconstitutiva do que constitutiva”, afirmou Motta Leia também: Argumentos e ataques físicos entre Janones e. Nikolas: entenda o motivo da briga e relembre o histórico de troca de farpas Deputado escoltado, tensão na comissão, deputado internado; em ‘dia difícil’, Câmara encerra trabalhos sem votação de projetos CCJ tem sessão tensa com discussões em audiência com ministro; veja vídeos A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) destacou ao g1 que as redes permitem ao eleitorado acompanhar o que acontece no Congresso. “Podemos chegar a um acordo com a nossa base parlamentar. Há um aumento do debate, e vejo isso como positivo, porque o eleitor pode fiscalizar, exigir, é o exercício pleno da cidadania”, afirmou. Sobre brigas, ela diz que os conflitos sempre existiram, mas que “os ânimos estão exaltados”. “Os conflitos sempre existiram dentro da Câmara, temos que ter cuidado para não quebrar o decoro parlamentar ou recorrer a agressões físicas. Isso não tem correlação com a mídia social. O ânimo está realmente elevado. Apostar em ataques pessoais e não debater ideias tem sido uma constante na Câmara dos Deputados”, afirmou o parlamentar. O deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) acredita que, às vezes, na tentativa de conquistar o público, os parlamentares criam personagens nas redes sociais. “O que vemos hoje constantemente são deputados assumindo posturas desrespeitosas na casa para alimentar as redes sociais. As redes sociais distorcem muito, você cria personagens que, ao entrar na rede social, têm muitos votos. Sem conteúdo, sem substância mas justamente porque alimenta um nicho”, disse Coutinho. Da Voz do Brasil às redes sociais O deputado Carlos Zarattini (PT-Sp), parlamentar desde 2007, lembra que o discurso aos eleitores passou pela fase Voz do Brasil (programa de rádio pública), depois pela TV Câmara e agora chegou às redes sociais. Em outras palavras, a comunicação tornou-se muito mais direta, para melhor ou para pior. Segundo ele, mais do que nas etapas anteriores, hoje o discurso deve ser inflamatório e ter “selagem” para chamar a atenção do eleitorado. O deputado afirmou ainda que a proliferação das redes alterou a forma como os parlamentares exercem o seu mandato e queixou-se de quebras de acordos. “O que acontece hoje é que um deputado fala uma coisa para você de vez em quando faz um vídeo para as redes sociais ou sobe no depoimento e diz algo completamente oposto, para atender aos seus eleitores”. Mudanças nas regras Em junho, diante da explosão de casos de brigas, a Câmara dos Deputados aprovou uma mudança em seu regimento interno que aumenta as competências da gestão da Casa, liderada por Arthur Lira (PP-AL), para punir os parlamentares envolvidos em brigas, confusões e insultos a colegas (quebra de decoro). As alterações conferem à Mesa Diretora da Câmara a prerrogativa de propor a suspensão cautelar de um deputado por seis meses no âmbito de representação apresentada pela própria Mesa. A solicitação será encaminhada ao Conselho de Ética, que terá 72 horas para decidir. Caso a comissão perca o prazo, a medida cautelar será decidida em plenário. A proposta estabelece procedimento acelerado para suspensão dos mandatos dos parlamentares em casos de quebra de decoro. Atualmente, a pena de suspensão do exercício do mandato está prevista no Código de Ética da Câmara, mas é aplicada após o Conselho de Ética decidir pela suspensão e a decisão ser confirmada pelo plenário. Esse procedimento considera um prazo de 10 dias úteis para o relator escolhido elaborar parecer preliminar no Conselho de Ética, seguido de um prazo para coleta de provas e defesa. No total, o processo pode durar até 90 dias. Com a possibilidade de suspensão cautelar, o parlamentar poderá perder as prerrogativas do mandato em até 72 horas.
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