Os representantes da indústria defendem uma lista maior de alimentos isentos ou com alíquota reduzida; governo afirma que quanto mais favores, maior tende a ser a alíquota padrão, atualmente estimada em 26,5%. Novo projeto traz cesta básica nacional isenta e com alíquota reduzida. Helena Pontes/Agência IBGE Notícias A nova versão do projeto de lei que visa definir regras mais específicas para a reforma tributária, apresentado nesta quinta-feira (4) pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, ainda traz ressalvas de parte da indústria alimentícia. Esta versão — que ainda não é definitiva — retoma o projeto entregue pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em abril e traz algumas novidades, mas não inclui tributação zero sobre carne bovina e frango, proposta que vem sendo defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recentemente. O projeto manteve a lista de alimentos selecionados para compor a cesta básica nacional e que estarão isentos de futuros impostos sobre consumo (CBS, imposto sobre valor agregado do governo federal, e IBS, de estados e municípios). Assim, assim como no projeto anterior, parte dos alimentos que antes compunham a lista de isenção do PIS/Cofins foram transferidos para uma cesta de alíquotas reduzidas. Alternativas mais saudáveis também foram incluídas e outros produtos foram completamente retirados da lista – e, portanto, estarão sujeitos à tributação integral. (entenda mais abaixo) Outro ponto levantado é que alguns produtos que faziam parte de cestas básicas regionais também poderão sofrer alterações tributárias com as novas regras. Assim, especialistas acreditam que o projeto tende a aumentar os debates entre governo e representantes da indústria sobre como serão cobrados os impostos na nova reforma. Alguns setores já sinalizaram tentativa de ampliação da lista de alimentos isentos ou com alíquota reduzida em benefício próprio. Por outro lado, o governo precisa evitar a expansão, para manter sob controle o ritmo que havia previsto. Atualmente, a taxa projetada pelo Ministério da Fazenda é de 26,5%, uma das mais altas do mundo. Neste relatório você vai entender: Qual foi a nova cesta básica nacional e como ela deveria ser? Por que o governo reduziu a lista de alimentos isentos? O consumidor pagará mais ou menos impostos sobre os alimentos? O que dizem os representantes da indústria? Haddad: Reforma Tributária substitui sistema cumulativo, opaco e injusto que penaliza os mais pobres Como foi e como deveria ser a nova cesta básica nacional? A principal mudança trazida pela reforma tributária na cesta básica nacional diz respeito à quantidade de produtos que devem ter alíquota zero. Segundo relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), formada por diversos ministérios, as regras atuais incluem a isenção de 745 alimentos diferentes abrangidos por leis federais de isenção de impostos. Com a nova reforma tributária, a lista de alimentos isentos de impostos cairia para 15 categorias de produtos. São eles: Arroz; Leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de leite ultrapasteurizado, em pó, semidesnatado ou desnatado e fórmulas infantis definidas em disposições legais específicas; Manteiga; Margarina; Feijão; Raízes e tubérculos; Cocos; Café; Óleo de soja; Farinha de mandioca; Farinha de milho, grumos e sêmolas, bem como grãos triturados ou em flocos; Farinha de trigo; Açúcar; massa; Pão normal (contendo apenas farinha de cereais, fermento, água e sal). Além disso, o projeto proposto pelo governo também prevê a criação de uma cesta básica com alíquota reduzida — o que promoveria um desconto de 60% no valor dos impostos. Essa outra cesta, segundo o governo, conteria outros alimentos isentos de PIS/Cofins que não estavam incluídos na Cesta Básica Nacional. Ficariam de fora aqueles com consumo muito concentrado entre os mais ricos, como lagosta, salmão, bacalhau, fígado de pato e ganso (foie gras), cogumelos, trufas, caviar, entre outros. Fazem parte do cabaz com taxa reduzida: Carnes de bovino, suíno, borrego, caprino e de aves e produtos de origem animal (excepto Foies gras) e miudezas comestíveis de ovinos e caprinos Peixe e carnes de peixe (excepto salmonídeos, atum; bacalhau, arinca, escamudo e ovas e outros subprodutos) Crustáceos (exceto lagostas e lagostins) Leite fermentado, bebidas e compostos lácteos; Queijos como mussarela, minas, prato, queijo coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo preto; Mel Natural Mate Farinha, grumos e sêmola, provenientes de cereais; grãos de cereais triturados ou em flocos Tapioca e seus substitutos Massa Sal de cozinha iodado Sucos naturais de frutas ou vegetais sem adição de açúcar ou outros adoçantes e sem conservantes Polpas de frutas sem adição de açúcar ou outros adoçantes e sem conservantes Os produtos deixados de fora dessas duas cestas serão cobrados a taxa plena, atualmente estimada em 26,5%. Por que o governo reduziu a lista de alimentos isentos? Segundo o diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, Rodrigo Orair, o projeto visa garantir a redução do preço dos alimentos que estão na atual cesta básica isentos de PIS/Cofins —exceto aqueles que são consumidos de forma mais concentrada entre os mais ricos — e permitir maior acesso da população de baixa renda à alimentação saudável. Para determinar quais alimentos estariam na lista de isenção, diz Orair, o governo utilizou dois critérios principais: favorecer alimentos in natura ou minimamente processados; e favorecer alimentos consumidos principalmente por famílias de baixa renda. “Como retiramos alguns alimentos que são consumidos pelos mais ricos, aproveitamos o espaço fiscal para trazer alimentos considerados saudáveis, desde que não sejam muito consumidos também pelos mais ricos”, afirma o diretor. Orair explica ainda que, na visão do governo, o número de produtos isentos realmente aumentou em relação à lista atual. Isso porque, segundo o diretor, embora atualmente esses alimentos não estejam sujeitos à tributação federal, ainda estão sujeitos ao imposto estadual, ao ICMS — que tem alíquota média de 8% sobre os alimentos — e aos chamados resíduos tributários (que são aqueles impostos pagos ao longo da cadeia e que são repassados ao preço final). “O novo sistema será mais transparente para o consumidor final porque elimina o problema cumulativo. Agora, o que ele vê em impostos? [descrito na nota fiscal, por exemplo] é, na verdade, o que ele paga”, explica Orair. O consumidor pagará mais ou menos impostos sobre os alimentos? Segundo Orair, a reforma se baseia na manutenção da carga tributária atual —o que significa que os consumidores continuarão pagando, em média, o que já pagam atualmente. “Mas na medida em que estou padronizando [a carga tributária], alguns produtos, bens ou serviços podem acabar pagando impostos maiores ou menores, dependendo do ônus que carregam hoje”, explica o diretor. Segundo o projeto, a expectativa é que a tributação média total dos produtos caia de 17,5% para 13,3%. Entre as cestas, a estimativa é: redução da tributação de 8% para zero entre os alimentos que compõem as isenções da Cesta Básica Nacional; e de 15,8% para 10,6% na média da cesta ampliada, com alíquota reduzida. E quanto às transferências? Para os especialistas, porém, isso significa que determinar se um consumidor pagará mais ou menos impostos sobre os alimentos depende principalmente dos produtos que consome. Ou seja, quem consome mais alimentos que eram isentos e agora serão tributados poderá sim sentir diferença. Além disso, outro ponto abordado pelos especialistas é como isso deverá ser tratado pelo Congresso Nacional. Segundo a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, embora o mercado ainda aguarde para ver o que de fato deve ser aprovado nas próximas etapas da reforma, há uma certa expectativa de que o consumidor consiga arcar com eventuais transferências de aumento de impostos. “O produtor nunca assume o ônus para si, repassa sempre para o consumidor final”, diz o economista, reiterando que as contas públicas do país, em meio a possíveis renúncias fiscais, também estão sob os holofotes. Os especialistas destacam ainda que poderá haver algum ruído em relação aos produtos regionais, aqueles que são mais consumidos em determinadas regiões do país e que não constam da lista de isenções da Cesta Básica Nacional. Para o sócio da área tributária do Mattos Filho Advogados, Marcel Alcades, embora, em termos de padronização, a reforma traga uma avaliação técnica “excepcionalmente boa”, a tendência é que isso também traga menos diversidade e regionalização no novo sistema tributário . Exemplos incluem a erva-mate, amplamente consumida nas regiões Sul e Centro-Oeste – muitas vezes no lugar do café. Pela nova proposta, o café ficaria isento de qualquer tributação, enquanto o mate entraria na cesta com alíquota reduzida. “Esta poderia certamente ser uma das razões para uma maior influência política. Tenho representação de todos os estados na Câmara e no Senado também. Então, é possível que a discussão seja acalorada justamente pelas regionalidades que temos hoje”, afirma o especialista. O que dizem os representantes da indústria? De modo geral, embora os representantes da indústria reconheçam o trabalho do Poder Executivo e da Secretaria da Reforma Tributária no projeto, a leitura é que a proposta ainda deixa a desejar. Para eles, a lista de produtos apresentada para compor a Cesta Básica isenta de impostos ainda “precisa ser melhorada”. “A expectativa era que tivéssemos uma presença maior de alimentos, tanto na cesta básica quanto na tarifa reduzida”, afirma o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (Abia), João Dornellas. As reivindicações são variadas. Enquanto a Abia, por exemplo, defende uma redução mais generalizada dos impostos cobrados sobre alimentos, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) defendeu, em nota, a inclusão de proteínas de origem animal na lista de produtos isentos. Para Dornellas, se as listas de isenções e taxas reduzidas continuarem como propõe o projeto do governo, o consumidor deverá sofrer as consequências. “A chance de haver aumento de preços em alguns alimentos existe e acontecerá se as leis não forem trabalhadas. Qualquer tarifa extra que for aplicada a qualquer produto vai direto para o bolso do consumidor”, disse o executivo. E o que o governo diz? Segundo Orair, o grupo de trabalho criado para elaborar o projecto de reforma fiscal colocou-se à disposição do sector privado, tendo recebido e analisado centenas de materiais. Segundo o diretor, além dos critérios de elaboração do projeto, houve duas preocupações principais na elaboração deste texto: fiscal e redistributiva (até que ponto eventuais isenções seriam, de fato, repassadas ao consumidor final). “O grande problema da cesta básica é que não há garantia de que essa isenção será repassada ao preço. Diversos estudos empíricos já mostraram que a redução de preços, nesses casos, não é na mesma proporção da redução de impostos”, afirma Orair. Ele reitera ainda que foi preciso elaborar a proposta pensando em “concentrar o benefício em quem mais precisa”, e destaca que embora haja pedidos de redução de impostos sobre diversos tipos de produto, ainda é preciso ter em mente que “quanto maior o favoritismo, maior tende a ser a alíquota padrão sobre o consumo”. “A interação vai acontecer e agora devem começar de fato os debates e as audiências públicas. Mas a palavra, em última instância, é do Congresso”, acrescenta o diretor.
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